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Dom Pedro Cipollini
Bispo de Santo André (SP)

O tempo da quaresma está relacionado a Jesus. Ele é o Filho de Deus que, para salvar a humanidade, deu a prova maior de amor, doando sua vida. Foi crucificado, mas ressuscitou ao terceiro dia. O núcleo da fé cristã está aí, no “mistério pascal”, ou seja na paixão, morte e ressureição de Jesus.

A cada ano a Igreja celebra este acontecimento cuja preparação se dá no tempo da quaresma. O próprio nome já indica quarenta dias, antes do tríduo pascal no final da Semana Santa, o qual se inicia a tarde da quinta-feira santa, sexta-feira santa, sábado santo terminando na tarde do domingo de páscoa.

Este costume da quaresma começou no século II do cristianismo. Algo bem pequeno, como alguns dias de jejum que precediam a Páscoa. Mas foi desenvolvendo e crescendo até chegar aos quarenta dias. Estes quarenta dias simbolizam os quarenta anos, nos quais o Povo de Deus, liberto da escravidão do Egito, percorreu atravessando o deserto, até chegar à terra prometida. Sinalizam ainda os quarenta dias que Jesus passou no deserto, jejuando e rezando antes de iniciar sua missão. A quaresma é uma travessia!

A quaresma se inicia com a Quarta-Feira de Cinzas. Um costume antigo que faz referência ao gesto bíblico de penitência que, no tempo de Jesus, consistia em colocar cinzas na cabeça, recordando que o ser humano é pó e voltará ao pó. Em consequência deve converter-se para Deus, abandonando o pecado e praticando o bem. Neste período todos os fiéis são convidados a intensificar a escuta da Palavra de Deus, fazer orações fervorosas, jejuar e dar esmolas como forma de partilhar com os mais necessitados.

A quaresma alerta para a vigilância cristã, ou seja, para estarmos vigilantes contra o mal que nos ronda. Mais que nunca há o convite a pedir como Jesus ensinou: “Não nos deixeis cair em tentação, mas livra-nos do maligno”. O espírito do mal tenta o ser humano para desviá-lo do caminho correto para Deus. Em primeiro lugar levando a pessoa a procurar somente bens materiais, consumismo e abundância. Em seguida a vaidade, que empenha a vida na busca da fama e por fim, o desejo de poder para dominar os outros.

A quaresma lembra sobretudo que o caminho de Jesus é outro, bem diferente deste caminho de loucura, proposto pelo egoísmo humano e pelo espírito do mal. O caminho de Jesus é o caminho do amor, amor que se faz serviço e cria comunhão e fraternidade.

É neste sentido que a Igreja do Brasil propõe como tema de reflexão quaresmal a fraternidade e a fome. O lema desta 60ª Campanha da Fraternidade é “Dai-lhes vós mesmos de comer” (Mt. 14,16). A campanha da fraternidade somente pode ser aceita por quem vê o apelo quaresmal como apelo à conversão pessoal e coletiva, dado que a fé tem uma dimensão social. Na nossa sociedade a fome é uma tragédia, um escândalo, uma ofensa a Deus porque contraria seu projeto de vida plena para todos.

Na quaresma, preparando para celebrar a vitória de Cristo na Páscoa, contemplemos seu sofrimento na cruz. Ao mesmo tempo, contemplemos o sofrimento do mundo. Nele Jesus Cristo entra com o seu, para redimir tudo e iluminar a vida, garantindo que vale a pena esperar. Quando na noite a escuridão não pode aumentar mais, começa a clarear e se faz dia.