Compartilhe

Dom Leomar Antônio Brustolin
Arcebispo de Santa Maria (RS)

O termo comunidade é um conceito que, em si, tem a tendência de valorizar mais a coletividade do que a singularidade. Essa noção se estabelece por fortes e antigos vínculos tribais, pelos quais as pessoas sentiam o pertencimento pelo sangue, pela parentela, ou pela amizade. Essa visão contrasta com uma percepção mais individualista da realidade, presente no mundo latino e herdeira da civilização romana. Os romanos superaram a condição tribal por meio da concepção na qual o indivíduo era mais importante que o vínculo familiar, o que teve visíveis consequências no Direito romano, ao enfatizar a pessoa e o direito privado. O risco dessa percepção é o individualismo, e a vantagem é a possibilidade de cada pessoa cuidar de seu direito. Embora o ser humano viva singularmente, vive também na comunidade onde se estabelece.

As vivências comunitárias são determinantes para cada pessoa e são transmitidas de uma geração a outra. Quando o grupo se torna muito individualista, a transmissão da tradição fica comprometida, não se entrega às futuras gerações o que das anteriores se recebeu. Ao enfraquecer o senso de pertença comunitária, para exacerbar o sentido individualista da existência, falta o senso comunitário, o que tende a prejudicar, gravemente, a comunidade, inclusive ameaçando sua continuidade.A crise da comunidade só é superável se o ser humano redescobrir o valor da pertença, da solidariedade e do vínculo afetivo.

O redescobrimento da comunidade é da essência do ser cristão e do ser Igreja. O batizado nasce para Cristo e para a salvação na comunidade e a ela se agrega de modo ativo. Essas são a forma e a condição de possibilidade para o ser cristão. Sem comunidade não há Cristianismo autêntico. Não existe fé cristã individualista, nem por livre escolha, pois sempre há a mediação do outro, dos outros. A Santíssima Trindade é a mais absoluta inspiração para essa vida comunional e não solitária.

Teologicamente, a palavra comunidade significa a união íntima ou a comunhão das pessoas entre si e delas com a Santíssima Trindade. A comunhão da comunidade cristã com a Trindade se realiza, fundamentalmente, pelo Batismo e pela Eucaristia. Dessa forma, a comunidade participa da vida divina na partilha da vida fraterna ao comungar na mesma mesa, ao professar a mesma fé recebida dos apóstolos, ao testemunhar a caridade que revela o amor salvífico de Deus para toda a humanidade.

A comunidade cristã não nasce de baixo, mas do alto, de Deus que suscita o desejo no coração humano e a necessidade das pessoas de um viver comum em Cristo. Por isso, na comunidade cristã, se manifesta o mistério da Igreja, e ela é chamada, constantemente, a ser missionária da obra salvífica que Cristo realiza. Ser sinal da salvação neste mundo é a colaboração da comunidade cristã para o advento do Reino de Deus.