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Dom Leomar Antônio Brustolin
Arcebispo de Santa Maria (RS)

O Estado é laico porque tem uma ordem distinta da religiosa com bases diversas da religião. Ainda que a dimensão terrestre esteja subordinada à dimensão espiritual, pois deve favorecer ao ser humano alcançar seu fim último, isso não permite afirmar que a realidade temporal é instrumento da realidade espiritual, porque o Estado, em sua ordem autônoma, é um agente próprio e principal em si mesmo. Isso expressa o fato de que Igreja e Estado são de ordens diferentes. Esse esclarecimento desautoriza toda interferência eclesiástica em assuntos de Estado.

Por outro lado, o Estado laico não pode ser contrário à religião. O bem comum que o Estado pretende alcançar supõe o respeito à dimensão transcendental do ser humano, pois toda pessoa tem direito a uma realização íntegra, e isso requer respeitar sua vocação para bens superiores a ela mesma. Negar essa verdade é manipular e reduzir a compreensão de pessoa humana e de bem comum. Isso não implica que o Estado tenha uma ação direta sobre a dimensão religiosa das pessoas, mas deve outorgar facilidades sociais, para que cada cidadão possa desenvolver seus valores religiosos.

Na Constituição Gaudium et Spes (GS), lê-se que as coisas criadas e as sociedades gozam de leis e valores próprios a serem conhecidos, ordenados e usados pelo ser humano. Por vontade do próprio Criador, as coisas criadas são dotadas de fundamento próprio, bondade, verdade, leis e ordens próprias que deverão ser reconhecidos por todos. Isso se expressa nas ciências e nas artes, por exemplo. Por isso, a autonomia do Estado supõe uma legítima laicidade dentro da qual todos os cidadãos têm os mesmos direitos, independentemente de seus credos religiosos. Existe, portanto, entre Igreja e Estado, uma separação lícita e necessária.

A autonomia das realidades terrestres, entretanto, não pode constituir uma ordem social que negue ou rejeite toda ou qualquer referência a Deus. “Na verdade, sem o Criador, a criatura se esvai.” (GS, 36). Nesse sentido, Pio XII escreveu que uma construção social que negue ou prescinda da sua relação com Deus, segue um caminho falso. Cai-se, assim, no laicismo que promove uma separação indiferentista entre Igreja e Estado. O laicismo supõe a ruptura arbitrária e artificial do elo essencial que une a ordem temporal à ordem sobrenatural.

O Estado não pode pretender um humanismo desprovido de valores religiosos. Seria um humanismo exclusivo e reducionista, que poderia ser chamado de “humanismo desumano”, pois não há um autêntico humanismo se ele não for aberto ao absoluto, à transcendência. (Populorum Progressio, 42). O Estado e a Igreja, portanto, devem cooperar, de maneira própria, das suas autonomia e finalidade, para criar um humanismo integral e solidário para todas as dimensões do ser humano e para todos os homens. Isso requer uma atenção e integração dos valores naturais e sobrenaturais que estão intimamente interligados.