Importância e limites da política
Compartilhe

Olga Sodré

Relato de uma experiência histórica e análise da conjuntura atual brasileira

Ao longo de 2022, escrevi vários textos sobre democracia e eleições, posicionando-me em defesa do povo brasileiro. Meu objetivo era fornecer elementos de reflexão, sem influenciar na escolha de candidatos. A constituição de uma ampla frente de forças políticas foi decisiva para a oposição vencer em condições eleitorais tumultuadas, fortalecendo nossa democracia. O problema não está, contudo, resolvido, pois a transição do poder encontrou destruição, resistências de grupos inconformados com a derrota e inesperadas manifestações terroristas.

Para melhor entender a formação do novo governo é importante esclarecer a relevância e limitações da luta pelo poder. Assistimos a nomeações de colaboradores variados e qualificados, mas também escolhas para obter apoios partidários e condições de governar. Minha participação política anterior mostrou-me que a utilização de manobras para distribuir cargos e direções políticas não brotou agora nem é apanágio de um governo. Observei distorções da luta política – envolvendo até pessoas idealistas – desde minha juventude. Elas estão relacionadas à conquista do poder, sua manutenção ou governabilidade.

Decepcionada com esta situação, pensei em abandonar a participação política, já antes do golpe de 1964. As perseguições, arbitrariedades (inclusive prisões sem julgamento, torturas e mortes), sufocamento do pensamento e da representatividade democrática pela ditadura brasileira demonstraram-me, entretanto, a importância da luta democrática e a diferença fundamental entre uma democracia mesmo limitada e um governo autoritário.

Constatei distorções do poder em várias experiências históricas de ditadura e democracia. Países considerados exemplos democráticos cometem arbitrariedades contra seus cidadãos e imigrantes; criticam limitações da democracia em outros países, porém realizam acordos com regimes autoritários – em nome dos próprios interesses nacionais. No Brasil, estes problemas são gigantescos e enraizados em desequilíbrios e desigualdades sociais.

Formada em administração pública em 1964, ao trabalhar posteriormente para o governo – no início dos anos oitenta do século XX – deparei-me com setores da máquina pública já corrompidos e ineficientes. O comando de muitos serviços e empresas públicas era distribuído entre partidos políticos e projetos só eram aprovados com o pagamento de comissões. Verifiquei, portanto, que distorções políticas e corrupção não estão relacionadas a determinados candidatos ou partidos: a colocação dos interesses particulares acima do bem comum é antiga e foi historicamente corroendo a estrutura do poder.

Isto não significa negar a importância da política. Por meio de leis e iniciativas públicas podemos avançar na conquista de um desenvolvimento com melhores condições de vida e soluções para os graves problemas sociais – tais como a fome, falta de moradia, de saúde ou destruição ambiental. Estas conquistas podem ser limitadas e não corresponder aos nossos ideais, entretanto, permitem-nos enfrentar a situação e continuarmos avançando rumo a transformações mais amplas.

Não adianta criticar a corrupção do político adversário, sem enxergá-la no próprio candidato e entender suas raízes. Nos Evangelhos, Jesus Cristo ensina aos discípulos que entre eles não deve ocorrer como no mundo. Orienta-os a partilharem tarefas e bens, servindo uns aos outros, especialmente aos mais pobres. Embora este caminho seja dom da Sabedoria divina, ele é acessível pelo amor e serviço ao próximo!