História das mais belas e marcantes canções natalinas
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O jornal “A Federação” em parceria com o Museu da Música – Itu e o Coral Vozes de Itu, realizaram um passeio pelas canções de Natal, contando a história de cada uma delas.

 

Boas Festas

A única brasileira dentre as canções de Natal selecionadas, esta obra mescla uma música que sugere alegria, com ritmo de movimento acelerado e um texto reflexivo chamando a atenção para questões sociais.
O compositor José de Assis Valente (1911 – 1958) baiano radicado no Rio de Janeiro, deixou belas composições que conhecemos na infância como “cai cai, balão” e “Brasil pandeiro”. Escreveu também um choro muito divulgado na década de 1940, o Camisa listrada, interpretado e gravado pela cantora Marlene e por Carmen Miranda.
Boas festas é uma marcha. Seu texto não é cristão e nem de outra matriz religiosa. A primeira parte diz: “Anoiteceu, o sino gemeu, a gente ficou feliz a rezar. Papai Noel, vê se você tem a felicidade prá você me dar. Eu pensei que todo mundo fosse filho de Papai Noel, bem assim felicidade eu pensei que fosse uma brincadeira de papel.” Até aqui temos uma canção de esperança, mas a história nos revela que Assis Valente compôs a obra no Natal de 1932, que ele passou sozinho em Niterói. Parece que havia, em seu quarto, a gravura retratando uma menina entristecida; ela aguardava um presente e daí certa melancolia trouxe a segunda parte da letra: “Já faz tempo que eu pedi mas o meu Papai Noel não vem; com certeza já morreu ou então felicidade é brinquedo que não tem”.
Vê-se que é uma reflexão pessoal sobre o Natal ou sobre a felicidade, que pode ganhar aspecto também social em um país de miseráveis como o Brasil.
O arranjo utilizado pelo Vozes de Itu é de Vicente Aricó Júnior. Ele se utilizou de recursos de onomatopeia para o coro fazer as vezes da orquestra. Então a melodia é acompanhada de “blim-blom” e “lá-lá-lá” cantados pelo coro. Com o “Boas Festas” o Vozes de Itu se despede da comunidade na Peregrinação.

 

Adeste fidelis

Sem dúvida, esta é a mais católica das canções de Natal porque foi incluída no livro oficial da Igreja (o liber usualis) no início do século XX como um “quase gregoriano”. Porém não se sabe quem é o compositor, mesmo que se atribua, na Inglaterra e na Alemanha, a um certo John Francis Wade.
Adeste Fidelis (venham fiéis…) foi escrita ou muito divulgada a partir do século XVIII na Inglaterra como hino católico no meio da cultura da Igreja Anglicana. Foi levada para lá pelos portugueses que só tinham licença de cantá-la na Capela da Embaixada portuguesa. Por isso os ingleses a chamavam “Hino Português”.
A letra, possivelmente do século XIII, é um convite a se conhecer o presépio – “Fiéis venham alegres e triunfantes até Belém; vocês verão que nasceu o Salvador. Venham, vamos adorar!” Há outros três versos menos conhecidos e posteriores.
De tal forma essa música se tornou um ícone na cultura católica, que ganhou inúmeros arranjos, incluindo versões acompanhadas a grande orquestra. A partitura utilizada pelo Coral Vozes de Itu foi divulgada pelo CORALUSP na década de 1980.
A Missa do Galo, no Vaticano, geralmente traz o Adeste Fidelis no final da celebração. Diversas versões têm sido escritas para o Coro da Capela Sistina, que acompanha a missa do Papa. São verdadeiras joias do canto coral, que fazem reviver esta belíssima melodia, quase tricentenária, de geração em geração.
No Brasil há também versões em português, porém sem a qualidade poética e de prosódia. Vale mesmo é o texto latino.

 

Jesus nasceu

O arranjo para canto coral da música “Jesus nasceu” é fruto do trabalho do Reverendo G. Silveira, que traduziu o texto e versou para o hinário evangélico a melodia composta originalmente por Georg Friedrich Haendel (1685 – 1759), na Inglaterra. Silveira trabalhou no Brasil nas primeiras décadas do século XX.
Composta em 1742, a obra tem o formato de uma canção religiosa a quatro vozes.
Haendel era natural da Alemanha, de família luterana. Lá estudou música. Artista independente, nunca teve emprego, não teve família, nunca esteve a serviço de ninguém. O rei da Inglaterra pagou uma bolsa vitalícia por trinta anos para ele, mas não era seu empregado. Deixou uma coleção de mais de setecentas obras musicais, a mais conhecida, o Messias, oratório de Natal escrito em curto tempo, a única de suas obras que permaneceu até os dias atuais divulgada por todo o mundo.
O compositor viajou bastante pela Europa quando conheceu os mestres da música de seu tempo como Telemann, Buxterhude, Corelli e Scarlatti. Muito de sua obra para coro foi aproveitada para compor os hinários protestantes pelo mundo afora. Obras como “Jesus nasceu” são extraídas de composições maiores, adaptadas para a congregação toda cantar, cada qual a sua voz.
O texto nos diz: “vinde cantai, Jesus nasceu, à Terra a luz desceu! A graça infinda, ao mundo vem, na gruta de Belém.” Esta última parte é valorizada com um bonito diálogo musical entre as vozes brancas e graves do coro.
Este coral barroco se encerra com um curto mas envolvente “Amém”!

 

Primeiro Natal

Com título original “The first Noel”, esta melodia tradicional inglesa ganhou texto inspirado no Evangelho de São Mateus 2, 2 “… porque vimos a Sua estrela no Oriente e viemos para adorá-Lo”. O contexto da peça é a visita dos reis ao menino Jesus que nasceu em Belém e chegam até lá guiados pela estrela.
A versão cantada pelo Coral Vozes de Itu foi extraída de um hinário protestante com tradução de Ruth See (1941) e harmonização de John Stainer (1840 – 1901). É o tipo de música para o culto cristão no tempo de Natal, quando toda a congregação participa.
Melodia e texto originais são de autores desconhecidos e isso era muito comum dentre os primeiros missionários que compunham para louvar a Deus, escondendo-se para estar a serviço da religião.
A tradução de Ruth See traz uma adaptação do texto original: “Ah! Um anjo proclamou o primeiro Natal a uns pobres pastores ao pé de Belém. Lá nos campos a guardar os rebanhos do mal, numa noite tão fria e escura também.” O texto em inglês é bem mais poético, mas a bela melodia disfarça a frágil tradução. Após repetir a palavra Natal por duas vezes, quando as vozes escuras têm uma progressão ascendente que lhes dá realce, a frase original “nascido é o Rei de Israel” (Born is the King of Israel) é traduzida por “é-nos nascido um Rei divinal”.
Existem outros dois textos na versão que o Coral utiliza, raramente cantados, afinal essas obras são apresentadas durante a Peregrinação de Natal, geralmente curta.

 

Glória

Inspirada na passagem “Glória a Deus nas alturas e paz na terra entre os homens de boa vontade”, do Evangelho de São Lucas (2,14), esta música intitulada simplesmente Glória é uma das mais conhecidas melodias cantadas no período natalino. O seu trecho principal – o refrão – é também o trecho inicial do Hino de Louvor, uma das partes fixas da missa católica.
A melodia é da tradição popular francesa composta no século XVIII. Vale lembrar que a França foi um dos mais católicos dentre os países europeus, antes da Revolução Francesa, o que motivou a grande produção cultural em torno do Catolicismo.
Não há um compositor conhecido para a música. O texto em português foi traduzido em 1942, pelo Prof. Isaac Nicolau Salum (1913 – 1993), grande filólogo, um dos fundadores do Grupo de Estudos Linguísticos do Estado de São Paulo. Além de ser grande estudioso das línguas, Salum foi também importante teólogo. A ele devemos esta versão cantada no Brasil: “Surgem anjos proclamando paz na terra e a Deus louvor; Vão seus hinos ecoando nas montanhas ao redor”. Depois disso vem o refrão Glória a Deus nas alturas. Na versão francesa este é cantado em latim – Gloria in excelsis Deo.
O arranjo musical para coro é de autoria de Warren Mathewson Angell (1907 – 2006), compositor estadunidense da Igreja Batista, que escreveu um diálogo muito conhecido entre as diversas vozes para o refrão, que dá um caráter vibrante ao encadeamento das melodias.
Glória é música católica muito utilizada pelas igrejas reformadas também.

 

Noite Feliz

A mais conhecida dentre todas as canções natalinas é “Noite Feliz”, composta na Áustria por Franz Xaver Gruber, em 1818 e que se tornou um marco na reunião familiar natalina.
Na noite de Natal de 1915, durante a primeira guerra mundial, soldados britânicos e alemães, em trincheiras opostas, cantavam o “Noite Feliz”, cada qual em sua língua. Aos poucos foram deixando as armas de lado, saindo, encontrando os adversários na guerra, congraçaram-se, trocaram cigarros e abraços. Ao final voltaram para sua formação bélica. Vê-se aí a força desta melodia que atravessou dois séculos e chegou até nós.
Com título original “Stille Nacht” (noite silenciosa), esta melodia tradicional austríaca tem letra do padre Joseph Mohr, cantada pela primeira vez na Missa do Galo na igreja de São Nicolau, em Oberndorf. Conta-se que o sacerdote, após escrever a poesia, procurava por um compositor quando bateu à porta de Gruber. A melodia foi, originalmente, escrita para voz solista, violão e flauta. Depois ganhou acompanhamento de órgão e inúmeras variações para coro e orquestra. Há registro de quarenta e cinco traduções desta música.
Franz Gruber (1787 – 1863) era austríaco e filho de tecelões. Estudou música até tornar-se organista da igreja de Arnsdorf. Foi casado por três vezes, sobrevivendo apenas quatro de seus doze filhos. Para o “Noite Feliz” ele escreveu uma melodia simples que varia um pouco a tessitura, dificultando, às vezes, a execução quando cantada somente pela comunidade.
Noite Feliz é uma daquelas músicas cuja história e sentido se tornaram maiores que seu mérito musical. É uma composição considerada patrimônio imaterial da Humanidade, declarada pela UNESCO desde 2011.
A versão cantada pelo Coral Vozes de Itu foi divulgada na década de 1980 pelo CORALUSP, sem se especificar o autor do arranjo para coro. Ao se incorporada ao repertório, tornou-se o “carro chefe” das apresentações durante as Peregrinações de Natal do grupo.