Conto de Natal: “Dona Bárbara”
Compartilhe

por Bernardo Campos

Quanta vez não nos demos, vida afora, com pequenas localidades de que nunca se ouvira falar.
Caso exatamente de Varandaí.
Sim, vizinhos mais próximos só a 75 quilômetros. Atribuía-se a menos de 20 mil os seus habitantes. Tudo realmente muito simples e em que uns e se outros muito conheciam e se respeitavam independentemente da condição social.
Em resumo, a dizer bem, quase um lugarejo.
Um dos pontos que muito empolgava esse pessoal eram os dois únicos times de futebol. Parece que combinavam até de que nenhum deles permanecesse mais de dois anos consecutivos, campeão da cidade. Chegava a parecer que quase um suposto planejamento os igualava. Residia aí a divisão das torcidas, mas sem excesso, a esperar anos e anos, um tri campeão.
Sem avançar no âmago deste caso, poderiam os estranhos, os de fora, perceber que aquele povo era feliz sem saber.
E não é no simples e no bem que mora a paz?
Entre os habitantes uns ou outros, poucos mesmo, se sobressaiam em condições de vida e, na maioria, porque proprietários rurais.

É a essa altura que situamos uma família exemplar, independentemente de suas posses, estas, quase nada.
Dona Bárbara, viúva recente de seu José, que fora mero mas solicitado prestador de serviços gerais e lhe deixara somente minguada pensão. Coube-lhe então, a essa, além dos bordados, enfrentar a penosa tarefa de lavadeira. Essa senhora, descobriu-se certa feita, também uma cozinheira de mão cheia, o que antes até da morte do marido, acontecia de ser chamada a servir terceiros com suas mãos prendadas, aqui e ali.
Armazém que merecesse essa denominação, lembram-se da finada expressão “secos e molhados”, havia apenas um. Seu proprietário, sem rubor, atribuiu-lhe mesmo assim em placa ampla a distinção de Super Mercado Alvarado. Rimou até, eis que Álvaro o seu nome.
Lançara-se então cupons das compras, habilitados ao sorteio de direito a despesas mensais de até cem reais, durante um ano.
Dona Bárbara, sequer se importava com isso e as mocinhas do Caixa é que a faziam lembrar. Em casa, jogavas os bilhetes dentro de um vaso esquecido na sala.
De outubro a dezembro, o tempo foi um zás trás.
Dia 24.
No rude coreto da praça principal, só havia duas, defronte a Igreja Matriz, o sorteio, condignamente referendado por sua Reverendíssima o Padre Rafael, vigário da paróquia única.
Retirada a cédula, pelo padre, após remexer demoradamente o conteúdo do recipiente, ele a examina e com voz solene proclama: bilhete 709. Silêncio sepulcral, alguns suspiros até. Quem o felizardo ou felizarda? Todos se entreolham.
Sem a manifestação de ninguém, no momento, o senhor Álvaro toma a si a solução do caso e informa que sairia à procura do feliz ganhador.
Não se ouvia na multidão um zumbido que fosse.
Não houve ninguém a se manifestar.
Por perceber um certo pasmo entre os populares, o dono da festa, o sr. Álvaro, repetiu que, nesse caso, incumbiria a ele sim localizar o resultado quanto ao vencedor ou vencedora. E na mesma noite conseguiu.
Dia seguinte, 25, Natal, sol forte a arder, dez horas, batem à porta de dona Bárbara.
Não era o senhor Álvaro e sim a premiada, sra. Clara Dumont, próspera criadora de gado, a comunicar-lhe que fazia doação do bilhete à lavadeira, de quem sempre soube sua voluntariedade e espírito de luta.
Antes do meio-dia, na Varandaí inteira, espalhara-se a boa nova.
Ah, no prélio da tarde, domingo seguinte, Itaguaí e Democrata, empataram, um a um.