Presente de aniversário para meu melhor amigo

Por Olga Sodré
É possível um estado de felicidade em meio à dor?
Com a aproximação do aniversário do meu melhor amigo, brotou em meu coração o impulso para lhe dar um presente. Deparei-me, contudo, com um obstáculo: como dar um presente para alguém que tem tudo e detém o poder do universo em suas mãos? Em meditação, despontou a imagem do menino na manjedoura. Vi-o tão pequenino, cercado de animais e humildes pastores, especialmente convidados para presenciar seu nascimento. Uma palavra brilhou na minha mente, em letras cintilantes: DESPOJAMENTO. Cristo se despojou de todo seu poder para nascer como um de nós.
Eu acabara de passar por um período de intensa dor, no qual me senti totalmente impotente, sem forças para me comunicar ou usar meus recursos habituais. Como na hora da morte, o filme da minha história passou diante dos meus olhos. Vi a inutilidade de muitas coisas e conquistas… Era como se a força poderosa da dor estivesse me desligando da vida, cortando todos os laços da carne, me separando do mundo ao meu redor. Não queria falar com ninguém, nem mesmo com os melhores e mais próximos amigos. Senti-me desapegando de tudo.
A lembrança de meu último contato com meu mestre em teologia, Dom Estêvão Bettencourt, me veio à memória. Foi ele quem me encaminhou para a vida monástica católica. Ele era inflamado pelo amor de Cristo e inflamava os que dele se aproximavam. Na noite do domingo 13 de abril de 2008, senti forte vontade de falar com ele. Liguei para o mosteiro, e ele me respondeu de modo estranho: – Agora, não… Na segunda-feira 14 de abril, soube que ele morrera nessa manhã. Meu contato com ele aconteceu em seus últimos momentos – no desligamento da passagem para ‘A VIDA QUE COMEÇA COM A MORTE’, título de um de seus livros.
Em minha experiência de dor intensa, só o amor de Deus permaneceu. Ele esteve ao meu lado, envolveu-me e preencheu o vazio da dor e despojamento com uma estranha felicidade – leve como a brisa. Era por isso que eu queria agradecer ao meu melhor amigo. Agora que a dor aguda foi atenuada com a radioterapia– não vencida, pois o câncer na coluna permanece ameaçador – queria agradecer por essa extraordinária experiência.
Os acontecimentos e realizações da nossa vida podem ser avaliados pelo quanto nos aproximam de Deus. E eu O senti muito próximo e presente, nesse momento extremamente doloroso. Ele me deu a graça de experimentar um estado interior de estranha felicidade em meio às dores, e eu quero agradecer, dando-lhe um presente de aniversário. Mas como eu – uma pessoa tão limitada, posso dar algo a Deus?
A palavra DESPOJAMENTO ressurgiu brilhando na minha mente. De repente, eu entendi: eu podia lhe oferecer a alegria do amor que sentira no despojamento de tudo que poderia ser considerado importante na minha vida. Enquanto as formas esvanecem como nuvens que passam, só o céu fulgurante pela luz amorosa permanece. Por isso, elevo o cálice da minha libertação das amarras que me prendem, saudando o Nome Santo do Senhor.