O último combatente
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por Prof. Luís Roberto de Francisco

Em janeiro de 2009 o Museu da Música foi instalado na casa da Rua Floriano Peixoto. A janela da sala principal teve sua luz natural velada por uma foto impressa sobre banner de tecido que, ao mesmo tempo reduz a agressividade do sol e celebra antigos músicos que tocaram e cantaram no Coro e Orquestra do Bom Jesus em 1946. Tirada na porta da igreja, a foto mostra quarenta e duas pessoas entre cantores e instrumentistas; os sobreviventes foram convidados a se reencontrar naquele 2009; dentre os homens, o único vivo era o violinista Santin Spinoso.
Amigo e contemporâneo de meu pai, também presente na foto, o nonagenário músico se emocionou ao recordar outros colegas daquele tempo em que tocavam juntos, dedicando boas horas da vida ao fazer musical.
Santin foi músico desde criança. Filho de imigrantes, nasceu em Itu a 1º de novembro de 1918. Chegou a tocar uma engenhoca feita pelo seu irmão, arremedo de violino, até que comprou seu próprio instrumento. Depois praticou a música de concerto sob a regência do maestro Baldi na Orquestra do Centro de Cultura Musical, que funcionava no Instituto Borges de Artes e Ofícios, onde ele estudava o curso de Comércio. Paralelo a isso, com seus irmãos Luizinho e Salvador tocava música de rádio no “Regional Irmãos Spinosi”. Assim, o nome da família jamais se dissociou da música em Itu.
Ao alistar-se no Exército, em 1941, Santin não imaginou que se tornaria um herói de guerra, afinal foi ao Nordeste defender a costa do Brasil afrontada pelos alemães. Também não imaginou que lá conheceria o amor de sua vida, dona Marieta, com quem se casou em Maceió em 1944. Essas belas histórias podemos conhecer através das “Memórias de um ex-combatente” registradas por sua filha Rose.
Retornando a Itu e à sua gente, Santin manteve vivas a simpatia, a hombridade e o talento musical que marcaram sua longa trajetória; continuou tocando violino em grupos musicais e em família, até que a surdez, resultado da violência dos manejos de guerra o tomou. A satisfação de ter uma família de filhos e netos músicos compensou o silêncio quase completo dos últimos anos.
Reformado do Exército, depois de uma longa jornada de enormes dificuldades materiais causados por duvidosa interpretação do Estado em relação aos que lutaram pelo país, Santin viveu feliz, sempre forte e lúcido até o dia 24 de julho último, quando se despediu da família, aos 102 anos.
Encontrei-me com ele, pela última vez, quando do centenário do Círculo Italiano, em 2019. Às vésperas de completar 101 anos guardava aquela jovialidade e aperto de mão forte de sempre.
Santin não era só o último combatente da II Guerra de Itu; decano dentre os músicos ituanos, foi o mais longevo de toda a história local. Na missa de sétimo dia, celebrada na igreja do Bom Jesus no dia 30, às 17h30, comemoraremos o seu retorno à Casa do Pai agradecendo a Deus por sua presença marcante e ilustre.

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