O teatro da vida
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O ser e seus personagens

A prática psicológica me proporcionou nova compreensão das histórias de vida, descortinando a relação do ser com seus personagens. O hábito da escuta e leitura de diferentes relatos contribui não apenas para a aprendizagem literária, histórica e psicológica. Ele amplia nossos horizontes e enriquece nosso mundo interior. As narrações com diferentes personagens transmitem o conhecimento de tendências e características humanas, ensinando-nos como lidar com elas em nós e nas relações sociais.
Ao explorarmos, por exemplo, a faceta autoritária de um personagem, podemos tomar consciência das consequências desta postura. Mesmo quando não reconhecemos tais tendências em nós, somos ao menos alertados sobre as implicações dessas atitudes e aprendemos como enfrentar situações de vida semelhantes. Escritores e atores são levados a pesquisar diferentes possibilidades de ser e praticar o descolamento das identificações com seus personagens. Empreguei as experiências da literatura e do teatro em meu trabalho como psicóloga, utilizando a narração e o psicodrama a fim de possibilitar a liberação pessoal dos personagens e histórias que impedem a renovação da vida.
Adotei o método narrativo e psicodramático para que as pessoas em psicoterapia pudessem perceber mais claramente suas dificuldades e obstáculos consigo mesmo e com os outros. O uso dessas práticas partiu de uma concepção do ser humano como o ator de um drama ou agente de uma história que pode ser contada, transformada e reescrita constantemente. Ao observar e desempenhar diferentes papéis, pode-se melhor entender sua própria posição, a do outro e a relação entre ambos, percebendo os erros cometidos.
Este trabalho terapêutico possibilita mudar comportamentos e relações, renovando maneiras de ser e reescrevendo a própria história. Tal enfoque do drama humano não se restringe apenas aos psicólogos, nem é uma descoberta pessoal. A arte, o teatro e a literatura vêm aprofundando essas experiências ao longo da história da humanidade, e são outras formas de conhecimento e ampliação de si mesmo.
A grande descoberta de minhas pesquisas sobre as diferentes narrações ocorreu aprofundando a compreensão da capacidade humana de integrar as mudanças da vida e narrar o desenrolar das transformações. Verifiquei que isso é possível, pois existe um mesmo observador que se mantém ao longo da história de vida. Assim como qualquer ator de teatro, ele é distinto de seus personagens. Apesar de todas as mudanças pelas quais passamos, o nosso ser mais íntimo permanece idêntico a si mesmo, tudo observa, e dá vida às formas que assume nos diferentes personagens.
Ao tomar consciência do seu ser, a pessoa descobre que não precisa se reduzir ao que já foi vivido anteriormente ou a uma determinada forma de si mesmo. Somos capazes de construir novos projetos e nos adaptarmos a novos modos de ser e de conviver com os outros. O segredo está em não se deixar conduzir cegamente por tendências e inclinações pré-moldadas. O bom ator ou o bom escritor é aquele que conhece as diversas facetas do seu ser e pode interpretá-las adequadamente nas relações com os outros, guardando sua liberdade de ação nos limites da cena e participação conjunta.

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