A segunda maior festa religiosa de São Paulo
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Pouca gente por aqui sabe que a festa do Senhor Bom Jesus de Iguape, no litoral sul de São Paulo, é a segunda maior festa religiosa do estado e uma das maiores do país. Realizada em 6 de agosto, quando a liturgia celebra a Transfiguração do Senhor, e precedida de uma piedosa novena e, em São Paulo, só é superada pela festa da Padroeira do Brasil, em Aparecida. Atrai verdadeira multidão de fiéis provenientes de várias partes do país, mas especialmente do Estado do Paraná, do sul do Estado de São Paulo, da Baixada Santista e do próprio Vale do Ribeira, onde Iguape, uma das cidades mais antigas do país, ao lado de Cananéia se destaca por sua história e sua arquitetura colonial, incluindo praças, monumentos, casario e igrejas, entre elas a imponente Basílica do Bom Jesus.
Morei alguns anos na região e pude testemunhar a devoção e alegria com que o Bom Jesus é ali festejado, com a presença de romeiros vindos de ônibus, caminhão, carro, moto, cavalo, bicicleta e a pé, estes muitas vezes carregando pesadas cruzes para pagamento de promessas, pedido de graças ou mesmo para se unir a Nosso Senhor em seu dia. É um colosso! A cidade, de 30 mil habitantes, quase colapsa com tanta gente que até acampa em suas ruas e praças e é acolhida por moradores que lhes oferecem água, lanches, banhos e até pouso.
Segundo dados históricos, no ano de 1647 a imagem do Senhor Bom Jesus da Cana Verde foi embarcada em um bergantim português com destino ao Brasil. A viagem transcorreria sem maiores problemas até aproximar-se de Pernambuco, onde foi abordada por piratas. Temendo o comandante que a imagem fosse profanada, colocou-a num caixote, junto com algumas botijas de azeite, e lançou-a ao mar, sendo levada pela correnteza marítima até a costa sul brasileira. No mesmo ano, na praia do Una, dois índios que viajavam à Vila de Nossa Senhora da Conceição de Itanhaém a pedido de Francisco de Mesquita, morador da praia da Juréia, avistaram a caixa no mar e a resgataram, logo percebendo tratar-se de uma imagem. Para prosseguir viagem, colocaram-na de pé na areia ao lado das botijas de azeite. Porém, na volta, ao se aproximarem da imagem, viram que ela se encontrava voltada para o poente, ao contrário de como a haviam deixado, virada para o nascente. Surpresos, apressaram-se em voltar pra casa e contar o que havia ocorrido.
No dia seguinte, Jorge Serrano e sua família tomaram o caminho da praia do Una e, chegando diante da imagem, puseram-se de joelhos, rezaram e decidiram levá-la para a Vila de Iguape, direção para qual estava voltada, carregando-a em uma rede de pesca através do Maciço da Juréia. Um grupo de pessoas que soube do achado da imagem aproximou-se de Jorge Serrano com a intenção de levá-la à Vila de Nossa Senhora da Conceição de Itanhaém, sede da Capitania. Mas, ao virarem o cortejo, a imagem surpreendentemente adquiria um peso descomunal, o que não acontecia se conduzida em direção a Iguape. Foi então que perceberam que o destino dela já estava traçado. Com um acompanhamento cada vez mais numeroso de devotos, após dias de caminhada, a imagem foi lavada sobre as pedras de um riacho, para retirada do salitre, num lugar que ficou conhecido como Fonte do Senhor. E, no dia 2 de novembro de 1647, chegou à Vila de Iguape e foi colocada no altar da Matriz de Nossa Senhora das Neves, que hoje é a padroeira da cidade.
Não demorou muito para a fama daquela milagrosa imagem se espalhar e atrair cada vez mais devotos. Iniciada em 1787, a nova e belíssima Matriz de Iguape, que substituiu a antiga já bastante deteriorada, foi inaugurada em 8 de agosto de 1856, e a imagem do Senhor Bom Jesus entronizada em seu altar-mor, em local onde é acessada por milhares de devotos anualmente e em especial nos dias da festa, neste caso por meio de filas intermináveis. De 28 de julho a 6 de agosto calcula-se que Iguape receba cerca de 170 mil fiéis numa grande demonstração de gratidão, devoção e fé. A procissão, na tarde do dia 6, toma todas as centenárias e estreitas ruas do centro histórico da cidade, num verdadeiro mar de gente, ao som de orações, sinos, fogos e dos vibrantes dobrados da Banda Santa Cecília. Por ocasião das comemorações de seu centenário, em 1956, um decreto papal elevou a Matriz de Iguape à condição de Basílica.
Por sua vez, a festa profana também é gigante. Ao longo da avenida que margeia o canal marítimo, nas imediações da Basílica, centenas de barracas são montadas a oferecer comida, artesanato, roupas, utensílios, entretenimento e tudo o que mais se possa imaginar, sem faltar, de uns anos pra cá, também os eletrônicos e bugigangas chinesas.
Em agosto de 2019 tive o privilégio de peregrinar a pé de Registro, onde morava, até a Basílica do Bom Jesus de Iguape. Percorri, com outras tantas pessoas vindas de lugares até mais distantes, os pouco mais de 67 quilômetros que me separavam do meu destino, parte deles às margens do caudaloso rio Ribeira de Iguape. Gente cujos destinos se cruzavam naquele caminho abençoado. Após 16 horas de caminhada – penosa, reconheço – não pude conter uma lágrima ao avistar aquelas torres testemunhas de tanta fé e esperança do nosso povo.

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