A persistência do anel de tucum
por Altair José Estrada Júnior
Há quase 25 anos, mais precisamente em 17 de agosto de 1996, Dom Amaury Castanho, então bispo coadjutor de Jundiaí, publicava no jornal “A Federação” artigo intitulado “Por que o anel de tucum?”.
Ali o prelado, reportando-se a vários grandes problemas, perseguições e desafios vividos pela Igreja ao longo da História, denunciava – corajosamente, diga-se – aquilo que chamou de “terrível tempestade” a abater-se sobre a barca de Pedro. “Após o Concílio Vaticano II, que o Papa João XXIII sonhava como um ‘novo pentecostes’ e uma ‘nova primavera’ na Igreja, a partir de 1965, quando Paulo VI o encerrou, (…). Milhares de sacerdotes, religiosos e freiras abandonaram o próprio ministério e renegaram os seus votos. A Teologia da Libertação de corte marxista, extremou-se em posições radicalizadas, contestadoras, ideologizadas e partidárias”.
No artigo, Dom Amaury chamava atenção a que “o curioso anel de tucum, feito do caroço de uma palmeira nordestina, é hoje o sinal da contestação no seio da Igreja. Está nos dedos da mão de bom número de padres e seminaristas, religiosos, religiosas e leigos”, a maioria “numa acintosa afirmação de sua clara opção por uma eclesiologia que não é, certamente, a eclesiologia da ‘Lumen Gentium’, do Concílio Vaticano II”.
“O anel de tucum – dizia ele – envolve, implícita e explicitamente, uma opção heterodoxa, por uma Igreja tida como Igreja popular, em oposição à Igreja hierárquica, a única instituída por Cristo. Expressa uma discutível e já condenada opção ‘excludente e exclusiva’ pelos pobres, marginalizando quem não o seja, como opressor. A partir de uma análise marxista e parcial, da realidade, os que portam o anel de tucum não titubeiam em propor soluções revolucionárias, lutas de classes, guerrilhas, terrorismo e violência, que nada tem de evangélico e cristão”.
“Os que ostentam, é a expressão exata, o anel de tucum – continua –, não poupam críticas à Cúria Romana e ao Papa, pautando-se pelo livro de L. Boff ‘Igreja, Carisma e Poder’. Valorizando a Igreja diocesana, particular, melhor dizendo, a ‘Igreja Popular’, a verdade é que apenas sintonizam com bispos complacentes e liberais, que a grande imprensa insiste em rotular de ‘progressistas’…”.
E finaliza seu apologético escrito, o qual fiz questão de aqui reproduzir em sua maior parte, alertando que “é a divisão no interior da Igreja de Cristo, enfraquecendo-a, distanciando as ovelhas dos pastores, opondo bispos ao Papa, bispos entre si, padres e leigos a bispos, CEBs, PJ, CPT e CIMI a Associações Religiosas, a Movimentos Apostólicos de leigos. Enquanto isso, os inimigos da Igreja se divertem, aplaudem e felicitam-se. É o que desejam: uma Igreja que não seja uma comunidade de amor, unindo os fiéis com os seus pastores. Não dando o testemunho de amor e da unidade, a evangelização fica travada e o Reino de Deus não se dilata!”.
Na época em que escrito, expoentes fortíssimos da Teologia da Libertação no Brasil ainda viviam e ocupavam posições estratégicas. O Cardeal Arns ainda comandava a maior arquidiocese do Brasil – São Paulo; o Cardeal Lorscheider, a arquidiocese de Fortaleza e, depois, Aparecida. Havia ainda forte influência de Dom Hélder Câmara, no Recife; de Dom Casaldáliga, prelado de São Félix do Araguaia; de Dom Angélico Bernardino, auxiliar de São Paulo, além de outros nomes importantes na disseminação dessa corrente teológica maligna, como o franciscano Leonardo Boff e seu irmão, Clodovis Boff, o carmelita Carlos Mesters, o dominicano Frei Betto, a freira Ivone Gebara e tantos outros, alguns inclusive penalizados por Roma com o “silêncio obsequioso” em razão da pregação e ensino contrários à doutrina católica.
Hoje, não obstante seu quase jubileu de prata, esse artigo de Dom Amaury reveste-se de total atualidade.
Embora a maioria dessas pessoas já tenham morrido ou não esteja mais em atividade em razão da idade, a Teologia da Libertação continua firme e forte no país, cooptando adeptos que deturpam a mensagem do Evangelho em favor de uma interpretação de cunho político e ideológico. Novas lideranças surgiram nesse sentido e continuam levando à frente esse verdadeiro cancro a corroer a unidade da Igreja. E o anel de tucum só vem mudando de mãos.
As eleições presidenciais de 2018 escancararam essa realidade, quando parte significativa da Igreja do Brasil posicionou-se a favor de candidaturas declaradamente defensoras do aborto, do homossexualismo e ideologia de gênero, do feminismo, do cerceamento à liberdade de expressão, do ambientalismo e de outras tantas bandeiras socialistas, inclusive a de banir a fé cristã e seus símbolos da sociedade, em detrimento de candidaturas que se comprometiam – também declaradamente – com o combate a essas pautas. Vergonhosamente, bispos, padres, religiosos e leigos engajados, obstinados em seus ideais, passaram a fazer eco a uma mídia e a um sistema que não tolera os valores cristãos, a moral evangélica, a resignação à vontade de Deus, e muito menos a ideia de que esta existência é apenas passagem para a vida eterna.
Passados 25 anos, a Igreja do Brasil encontra-se ainda mais dividida, politicamente polarizada, confusa em seus conceitos e crenças e esquecida de que a sua missão é levar as almas a Deus. E fazer com que seus filhos, conscientes de seus compromissos morais e sociais e com a perspectiva de uma eternidade feliz, alcancem a felicidade já nesta vida.