A música de Tristão Mariano
por Luís Roberto de Francisco
Muitas vezes buscamos um conceito para o termo “patrimônio” e o encontramos através de construções e objetos. Porém ele também se estende ao campo da imaterialidade, do intangível. A música é um dos elementos que, em Itu, servem à sociedade como vetores da identidade cultural.
No legado musical deixado pelos compositores de nossa terra, a obra de Tristão Mariano da Costa bem representa o gosto da elite brasileira, no final do século XIX, pelo italianismo lírico do teatro adaptado à música da Igreja. Em suas oito missas e peças para a Semana Santa e Pentecostes, encontramos a forte presença da linguagem de conhecidos compositores do Velho Mundo, como Rossini e Mercadante, que o influenciaram.
Tristão nasceu em Itu em 1846 e aqui morreu em 1908. Foi aluno de música de seus irmãos mais velhos e do cunhado, Elias Álvares Lobo. Formou discípulos em uma instituição criada pelo pároco, padre Miguel Correia Pacheco, para que a música sacra não morresse em nossa igreja matriz. Da escola paroquial saíram os solistas e intérpretes para as composições de Tristão e às obras italianas que ele acrescentou ao repertório local. No Colégio São Luís ele foi professor de música, colaborando para valorizar a música italiana de concerto, tão cara aos mestres e alunos do educandário.
O tempo de Tristão, na liderança da música ituana, foi de concertos e récitas que representaram também o auge da música sacra, com a sua orquestra de quarenta músicos e cantores capazes de executar as obras com elevado grau de complexidade.
A esposa (e aluna) de Tristão, Maria Augusta da Costa, foi uma das intérpretes mais solicitadas do período em nossa região. A princesa Isabel, ao passar por Itu em 1884 lamentou não conhecê-la. Soube, porém, pelo pároco que a cantora tinha a capacidade de “chocar o sistema nervoso” com seu talento musical. Para a esposa, Tristão escreveu diversos e exigentes solos de soprano.
Descontente com o ambiente político em Itu, excessivamente hostil à Igreja e às irmandades católicas, o compositor se refugiou em Piracicaba, renunciando à vereança. Lá escreveu as últimas obras musicais, que veio apresentar em Itu nos primeiros anos do século XX.
Boa parte desse patrimônio permaneceu guardado na coleção de seu neto, o Prof. Luizito e hoje está no Museu da Música – Itu. Porém, de toda a obra, somente o Hino a São Benedito continuava sendo cantado nas festas anuais daquela igreja.
Por iniciativa do Coral Vozes de Itu, há vinte e cinco anos, o repertório de Tristão voltou a viver. Em 1996 foi restaurada a Missa do Divino Espírito Santo, divulgada em cerimônias religiosas em Itu e Piracicaba. Desde então esse movimento não parou e as suas composições têm estado presentes na nossa vida cultural.
A obra de Tristão, como toda peça musical, só se torna patrimônio quando deixa o território da partitura e ganha vida ao ser interpretada. Neste junho, quando ele completaria 175 anos, novamente nos encontraremos com a sua música.