Tempo de festejar e de se recolher, de se alegrar e de chorar
por Olga Sodré
Ciclos e ritmos da vida, sua alteração atual e os diferentes usos das máscaras.
Como estamos todos tendo que usar máscaras em função da pandemia, vale à pena refletirmos sobre diferentes significados desse uso. Tais acessórios existem desde as primeiras comunidades humanas. Na Antiguidade grega ou chinesa e nos povos indígenas, seu uso se insere em diversos tipos de comunicação social ou religiosa: festas, rituais e curas. Até hoje, encontram-se estes e outros usos, como a proteção dos órgãos de abertura do rosto: olhos, nariz e boca.
Em antigos rituais e representações teatrais, máscaras serviam para encobrir a identidade dos intérpretes, criar personagens e exprimir distintos sentimentos e emoções. Com a pandemia, máscaras de proteção se tornaram um acessório de segurança indispensável para todas as pessoas, porém perderam seu sentido festivo. Encobrindo e uniformizando os modos de expressão, em vez de realçá-los, elas são atualmente um símbolo representativo da crise na condição humana e relação ao próximo. As festas populares foram suspensas ou adiadas para evitar aglomerações, e a presença nas celebrações religiosas foi limitada.
O Carnaval foi transferido de fevereiro para uma data ainda incerta, e o agendamento de sua nova data ficou condicionada à vacinação contra a COVID-19. Originalmente, o Carnaval correspondia ao momento dos fiéis se despedirem do uso da carne (carnis levale, “retirar a carne” em latim), antes da entrada na Quaresma, período de reclusão que recorda simbolicamente os quarenta dias de Jesus no deserto. Embora se distanciando dessas origens, a data do Carnaval continuou sendo marcada segundo o calendário católico, no qual esta e outras celebrações não são fixas, mas se organizam em torno da Páscoa.
Até recentemente, o Carnaval começava na sexta-feira e terminava na quarta-feira de cinzas, que marca o início desse período quaresmal de quarenta dias antes da comemoração central da fé cristã, a Ressureição de Cristo. O cristianismo cultiva a celebração, a alegria e as festividades, mas respeita o ritmo da vida e a disciplina de cada circunstância. Diferencia-se e valoriza-se igualmente os momentos de festejar e de se recolher, de se alegrar e de chorar. É fundamental, por exemplo, mergulhar profundamente na Quaresma, que representa um forte momento de preparação espiritual para viver o mistério da Paixão de Jesus e a renovação trazida pela sua Ressurreição.
Não tendo sido educadas a acatar os limites, ritmos e diferentes modos de manifestação da vida, muitas pessoas não conseguem se recolher e respeitar os que enfrentam a doença, o sofrimento e a morte. Ignorando a ameaça da pandemia, querem continuar festejando, mesmo pondo em risco suas vidas e as vidas dos outros. Contudo, a pandemia mudou o cenário e os ciclos da vida, e fez com que festejos e eventos carnavalescos fossem cancelados ou suspensos para evitar aglomerações. Celebrações da Quaresma, como o ritual de imposição das cinzas, foram alteradas. É natural lamentarmos essas mudanças, mas deveríamos refletir sobre o sentido delas. Entender que o ciclo da vida está sendo alterado, seu ritmo desfigurado e as máscaras uniformizadas não apenas pela ação do vírus, mas pela incapacidade humana de respeitar a natureza, a vida e o próximo.