Corrigindo uma atribuição equivocada
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por Luís Roberto de Francisco

O fascinante da história é que ela nunca está terminada, sempre há novas interpretações ou informações a corrigir.
Quando se trata de patrimônio, atribuir autoria a obras de arte requer pesquisa e cuidado. Durante muito tempo a história considerou o Cruzeiro Franciscano de Itu (século XVIII) obra do Frei Antonio de Pádua. Há quatro anos, porém, o prof. Carlos Cerqueira, do IPHAN de São Paulo, descobriu o verdadeiro construtor, o mestre Thebas, autor de trabalhos na Sé velha paulistana.
Em janeiro passado foi aberta uma exposição no Museu de Arte Sacra de São Paulo com obras de Jesuíno do Monte Carmelo. Havia telas atribuídas a ele cujas feições eram claramente distintas de seu traço, provavelmente pinturas de discípulos. É preciso cautela!
Também eu devo corrigir um equívoco, se bem que, à época, deixei dúvidas sobre a atribuição. Em 2005 publiquei o estudo “A Paixão Segundo Itu: cultura e tradições na Semana Santa”. Além de tratar das belas cerimônias também escrevi sobre o patrimônio cultural material e imaterial agregados às celebrações.
No capítulo referente à Procissão de Passos, registrei que existem três telas remanescentes de um conjunto de sete, pinturas de Lavínia Cereda, a italiana que foi professora de Almeida Júnior e decorou o teto da sacristia da matriz com quadros da Via Sacra. Era a informação que, por tradição, chegara até nós. Na ocasião da pesquisa, a profa. Célia Trettel havia informado que seu pai, Américo Costa, tivera amizade com o artista Nicolau Radianoff e que seria este o verdadeiro autor das telas da procissão. Ele era russo e se radicou em Itu em 1933.
Sabemos que ele afixou as pinturas da Via Sacra de Cereda no forro da sacristia a pedido do pároco Mons. Monteiro. Em 2005, sem outros meios para buscar evidências, como teste de pigmentação ou de antiguidade do tecido, eu registrei que Radianoff seria o restaurador das telas dos Passos, de Lavínia Cereda, pinturas de sessenta anos antes dele (década de 1870).
Porém um fato novo se revelou. Em 2018 tive acesso a algumas fotografias que os técnicos do IPHAN tiraram na sacristia da igreja matriz, na década de 1940. Em uma delas aparece uma tela antiga, de proporções similares às atuais, pintura representando Jesus preso, com feições muito semelhantes às do forro de Lavínia Cereda.
O que essa nova informação nos traz? A velha tela fotografada é uma daquelas de autoria de Cereda. As que utilizamos nos Passos até 2019, com figuras diferentes, rústicas, germanizadas, são de outro artista, provavelmente Radianoff.
Estes fatos me vieram novamente agora, em outubro de 2020, quando a Paróquia de Nossa Senhora Candelária achou por bem recolher à igreja matriz as telas remanescentes, conservadas por décadas nas residências que recebem os Passos.
A atribuição não é absoluta, mas considero suficiente: as pinturas que doravante ficarão guardadas na igreja são das décadas de 1930 ou 40, pelo menos sessenta anos mais novas do que se imaginava, e de outro artista, que carece ser estudado.

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