A Fe-de-ra-ção
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Luís Roberto de Francisco
Cadeira nº 30 – Patrono: Tristão Mariano da Costa

Ao rever um velho álbum de fotos na casa de minha mãe, deparei-me com um retrato meu aos sete anos. Lembrei-me logo da imagem e da ocasião. É uma dessas fotos para documento, que fui tirar no estúdio da família Katahira. O objetivo era ilustrar a carteirinha de registro de presença e notas, que carregávamos para a escola diariamente. Talvez seja o retrato de infância em que o menino mais se parece com o homem feito, que hoje vive a meia idade.
A foto, em preto e branco, despertou memórias quase esquecidas, dos tempos das severas carteiras escolares, de ferro e madeira nas classes do pátio interno da Escola Estadual Regente Feijó. Ali fui aluno por dois anos, nas primeiras séries, alfabetizado pela Profa. Marina França, de quem guardo excelentes lembranças.
Porém, a angústia gerada pela preguiça de escrever com a “mão errada” traz também memórias amargas desses tempos de escola. Alguns colegas tinham facilidade e destreza (que palavra complicada para um canhoto engolir…), enquanto eu vivia as dificuldades de caligrafia, leitura e ditado.
O pequeno retrato me levou às páginas centrais da carteirinha, onde ficavam registradas as notas quase todas mínimas, apenas suficientes para aprovação ao próximo ano letivo, invariavelmente com aulas de reforço e recuperação.
Filho menor, confesso que muitas vezes recorri à irmã nos aflitos momentos da tarefa. Vencida pelo cansaço nas tentativas para que eu escrevesse, fazia ela mesma alguns exercícios com a mão esquerda, para a letra se aproximar dos meus garranchos. Ao corrigir essas tarefas, a professora anotava no caderno que a minha letra estava melhorando…
A preguiça era tanta que, muitas vezes, eu tentava descobrir o que estava escrito pelo método associativo, considerando que o óbvio sempre me ajudaria. E essa tática, pouco precisa, me rendeu um dos maiores “micos” da infância, de vez em quando lembrado pela prodigiosa memória materna.
Eu pouco sabia ler quando saí do pré-primário. Mas queria fazer bonito, como meus irmãos já adolescentes. Conhecia bem o nome do jornal assinado em casa, entregue pelo sr. Juquinha, todos os sábados. Trazia notícias da comunidade católica da qual a família era forte participante. Todos reunidos na sala de casa, eu achei a ocasião perfeita para “abafar a banca” ao demonstrar meus dotes de leitor. Peguei o exemplar do jornal, mirei o título, em letras garrafais, impostei a voz, para ser ouvido por todos, e fui lendo sílaba a sílaba: “A Fe-de-ra-ção!” Gargalhada geral…
Fiquei atônito, olhava para o jornal e para a família sem entender por que meu momento de glória se transformara em desgraça. O jornal em mãos era um exemplar do Periscópio que alguém comprara e por absoluta novidade apareceu em casa para minha ruína!

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