O Vale do Tietê
por Bernardo de Campos
Tempos de agora.
É intuito desta breve digressão sobre o lendário e histórico rio paulista, situar o seu enfoque dentro daquilo a que se denomina o Vale do Tietê. Mesmo assim, sem rigorosa precisão do seu começo e final.
Diga-se, desde a represa em Pirapora do Bom Jesus até o outrora movimentado embarcadouro da cidade de Porto Feliz. Isto porque aí se compreende o espaço que este autor, residente em Itu, conhecera mais de perto.
Ficam então referenciadas desde já, nesse espaço, Pirapora, já citada, Cabreúva, Itu, Salto e Porto Feliz.
Destaque em Pirapora, a existência, ali, de uma primeira represa e, a de lá se descer para alcançar Cabreúva. Um trajeto rápido de curvas, elevações e desníveis, um como que corcovear contínuo, com tempo apenas de apreciação atenta e fugaz das belas paisagens. Descansa, efetivamente, qualquer espírito porventura mais afogueado.
Eis Cabreúva. Dê-se tempo de percorrer ruas e praças, poucas. Curiosamente, a alguns quilômetros em também agradável visual, existe o denominado bairro do Jacaré que, facilitado por um plano menos montanhoso, é agora um distrito, espaço e com mais opções com relação ao comércio e restaurantes. A região é servida, ainda, por condomínios vários, para todo gosto e gasto.
De volta ao centro de Cabreúva, dali se estendem vários quilômetros do mais deslumbrante visual, a partir do leito carroçável, cognominado justificadamente de Estrada Parque.
No trajeto, de altos e baixos e curvas fechadas, sempre a acompanhar o leito do rio, mas amplamente sinalizadas, existem campings, espaço suficiente e aptos a paradas que se fazem indispensáveis, ao deslumbre da paisagem. Ali e para adjacências, mencione-se a Gruta. Área de lazer espaçosa e para descanso.
Um ponto amplamente divulgado de recreio e comezainas, tem-se na hoje concorridíssima Fazenda do Chocolate. Em feriados nacionais, para quem vem de Itu e por via de consequência de São Paulo e centenas de municípios outros, enfileira-se em demoradíssima espera e, quase sempre, debaixo do sol inclemente, no mais das vezes. Mas, mesmo assim, ao que parece, ninguém resiste nem desiste.
Hoje desativada, justifica-se na sequência uma vista geral de antiquíssima represa, a usina que durante anos a fio produziu energia para a tradicional e extinta Companhia, Fiação e Tecelagem São Pedro.
Com a velocidade máxima de sessenta quilômetros e sinal permanente também a proibir ultrapassagens, a corcovear sempre, chega-se a Itu com transpor a antiga, mas sem perder o cognome de Ponte Nova, com no mínimo sessenta anos, tanto que a seu lado, em paralelo visível, tem-se a mesma travessia, a servir então a Rodovia Dom Gabriel. Esta se direciona a Jundiaí, ao cruzar com o já mencionado bairro do Jacaré.
Cumprido esse programa, vai-se de Itu para Salto e ali, então, o rio Tietê é de uma generosidade sem igual. Transposta a ponte de acesso à cidade (dotada de amplo mirante), um convidativo parque e museu o colocam diante da impressionante cachoeira. Logo à frente, a ponte pênsil que, transposta, abre acesso à outra passarela, fixa, para uma ilha de mata fechada e animais silvestres.
Dali o rio Tietê segue seu curso e aflora bem ao centro da tranquila Porto Feliz, munido de pequeno parque em baixios de espaço ajardinado. Nesse ponto, exatamente, erigia-se o histórico embarcadouro de onde partiam os bandeirantes a desbravar o chão brasileiro. Inspiração de pinturas memoráveis, deleite de artistas de renome. Puro conteúdo de emocionante rememoração histórica.
Seja de se consignar, à guisa senão outra as de curiosidade e destaque, Porto Feliz cumpre atualmente destacado avanço de modernidade. Em contínua instalação ali de indústrias da mais alta expressão.
Do que aqui se relatou nesta breve rememoração, seja permitido o enfoque de um outro aspecto, o rio Tietê sempre por tema. . . . . . . . . .
Tempos de outrora.
Com muita tranquilidade e com muita certeza, ora plenificadas nesta faixa etária, adiantada e assumida, quer-se volver os olhos para não apenas molhar os pés, mas impregnar da emoção de quem, dos doze anos em diante, se fizera usuário do rio genuinamente paulista, como já se destacara. A pesca, por sinal abundante ao extremo, entre os anos cinquenta e sessenta, mas para o cronista um folguedo de nem tanta habilidade e atração, sempre prevaleceu o entretenimento maior em si, o de meramente se entregar e banhar-se na mais límpida das águas.
E como tudo isso começou?
Em janeiro do longínquo ano de 1950, aos doze anos de idade, ocorreu a admissão deste escoteiro do saudoso Frei Osvaldo Hedeman, ao Seminário Nossa Senhora do Carmo, em Itu, contíguo ao conjunto respectivo do Convento e Igreja. Fala-se exatamente daquele prédio ao lado dos Correios, ora locado pelo Anglo. Esse centro religioso de formação, à época, embora amplo, porém insuficiente, em função da procura de matrículas, estipulado em cento e vinte o limite de suas vagas.
Um senhor, carpinteiro se bem me lembro, de nome Elisiário, prestador de serviços ao Carmo com exclusividade, tinha por assim dizer o zelo e uso informal de uma ilha no rio Tietê, a poucos quilômetros depois da dita Ponte Nova. Músicos, Sua Senhoria e outros mais, esse reduto paradisíaco ficou conhecido como Ilha dos Artistas.
De quando em vez, dois ou três frades no comando, seguia-se a pé por estrada de terra e pedregulho, até o alto de uma curva acentuada, para a partir dali e em fila serem os alunos atravessados a pouco e pouco, o que demandava muitas idas e vindas, por canoeiros, o sr. Elisiário, sempre auxiliado por mais senhores de sua amizade e confiança.
Sempre havia – e porque era delicioso deixarmo-nos levar pela correnteza – um grupo de colegas que subia a pé até um ponto mais longe, para só então atirarem-se nas águas e, com braçadas fortes, alcançar a entrada da ilha, na margem oposta. O tempo e a distância, suficientes para ir vencendo aos poucos a força das águas.
Hoje, em sã consciência, seria de se pensar sobre o risco dessa ousadia e, mais ainda, estranhar a confiança dos frades. Jamais, nos meus seis anos de casa nem até a data de fechamento do Seminário, alguém ali pereceu. Ufa!
Os admiradores da pescaria o faziam com excelentes resultados, levada a coleta às freiras coordenadoras da cozinha e distribuídos os peixes a todos.
Anos depois, deixado o Seminário, meu sobrinho Francisco (Quinho para os íntimos) e eu, perdemos a conta de quantas tardes ali nos divertimos.
Um senão que não se pode ignorar. Principalmente, naquele ponto de descanso, na Gruta há pouco aludida, aconteceram afogamentos sem conta de turistas ao longo dos anos, tanto pela inexperiência de uns como pela falta de aviso prévio ou placas indicativas à época, a informar horários de quando as comportas em Pirapora seriam abertas. Algo ali corriqueiro.
Quem viveu o Tietê, mormente a quem o tenha desfrutado desde os primórdios da juventude, pela abundância de seus peixes ou pela temperatura e transparência ao lançar-se a suas águas enquanto límpidas, inseriu imorredoura emoção na própria alma. . . . . . . .
Ainda não se atentou ao fato, de que os quatro municípios – Cabreúva, Itu, Salto e Porto Feliz – têm plenas condições de instituírem de comum acordo, o que seria a Semana do Rio Tietê, em meados do mês de setembro, eis que já se lhe dedica a data, aliás quase desapercebida, no dia 22. Inequívoco concluir que haveria sim um dado a mais nas atrações já existentes na região. . . . . . . . .
Ficam por aqui, as expressões de tantas benesses do passado, um mínimo da fruição natural e sadia das águas generosas e límpidas de um rio, antes piscoso e ora deixado à própria sorte.
Malefício de contaminação que só se desfaz mais adiante, graças à barragem e elevatória de Barra Bonita, conhecido parque turístico.