Mutações desapercebidas
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por Bernardo de Campos

Seja concedida alguma liberalidade para se exprimir como é célere a mudança nos costumes, com certo exagero, quase que de um dia para o outro.
Assumo, pois, de público, essa espécie de distração de minha parte, até porque não serei eu apenas a ver e ao mesmo tempo não enxergar, tudo quanto acontece.
O tempo caminha, sem alarde e nem sempre se lhe dá atenção.
Para exemplificar e me fazer mais claro, nas manhãs de domingo, aqueles habituais frequentadores das mesinhas externas da Senzala, onde estariam? Caberia explicar esse quase sumiço, pelo fato de que as reformas do jardim da praça da Matriz, todo cercado, desestimulara a frequência de populares?
Nessas rodinhas, havia então instantes de quando as opiniões se chocavam e o embate atingia até uma certa animosidade, para de imediato, tudo se acalmar e abraçarem-se todos, na volta para casa. Aquele almoço mais refinado certamente os impelia a não extrapolar o horário.
Outro bloco semelhante, este mais variável quanto aos frequentadores, se instala ainda defronte o Tonilu.
Tudo isso já não se faz como antes.
Aquilo que não foi visto ou muito do que sequer lhe contaram, quase se assemelha a algo que perdera de vez.
Sinal dos tempos?
Absortos, quiçá reclamados por afazeres outros, gradativamente diminui o contingente desses verdadeiros e espontâneos formadores de opinião.
Cogite-se, doutra feita, sobre se os atrativos da mídia não estão a absorver com voracidade os ditos tempos livres. Somam-se ao infinito as possibilidades, se análise desse teor mais se aprofundar. Aqui, na leveza de que se revestem as crônicas, passa-se por alto de mil detalhes.
Tempo livre, por exemplo, quase nenhum. Tanto que se alguém se debruçar tão somente nos cuidados essenciais do dia a dia, vai constatar infalivelmente que pequenos cuidados e providências, outrora atendidos a tempo e hora, a pouco e pouco ficam para trás, se não olvidados de vez.
Certa feita, comigo mesmo, percebi que de há muito não mais engraxava os sapatos com regularidade.
Todas essas reações – a tônica da prosa de hoje – dizem naturalmente de um cronista assumido, com a idade já lá na frente. Sejam-se lhe perdoados os exageros e, se assim o quiserem, algumas advertências que compuseram o fulcro da presente divagação.
E assim, a pouco e pouco, por enquanto, se me dá o prazeroso mister de me manter no quadro de jornalistas desta folha. A meu ver e se descuido de memória não houver, alguém, pois, senão pelo mérito, ao menos pela perseverança, o colaborador de mais tempo na casa.
Também pudera, aqui chamado pelo saudoso Monsenhor Camilo, em abril do longínquo ano de 1977.
O tempo não fala, silente por excelência.
Mas anda.
Tenha-se em conta por fim, que a presente matéria, inédita, fora concebida em 16 de abril de 1977.

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