A Teologia do Corpo (VIII): celibato por amor ao reino dos céus (1)
por Pe. Enéas de Camargo Bête
A revelação cristã reconhece duas formas específicas de realização completa da vocação do amor do ser humano: matrimônio e celibato, sendo que tanto uma quanto a outra, em sua forma própria, representa a realização da verdade mais profunda a respeito de o homem ter sido criado à imagem de Deus. Baseado no texto, “Seus discípulos disseram-lhe: Se tal é a condição do homem a respeito da mulher, é melhor não se casar! Respondeu ele: Nem todos são capazes de compreender o sentido desta palavra, mas somente aqueles a quem foi dado. Porque há eunucos que o são desde o ventre de suas mães, há eunucos tornados tais pelas mãos dos homens e há eunucos que a si mesmos se fizeram por amor do Reino dos céus. Quem puder compreender, compreenda” (Mt 19,12), o Papa São João Paulo II fundamenta o quarto ciclo das suas catequeses sobre a Teologia do Corpo (TdC): O celibato por amor ao reino dos céus.
O celibato sacerdotal é, antes de mais nada, um dom. Um dom precioso, concedido por Deus à Sua Santa Igreja. Somente à luz do exemplo de Cristo é que se pode entender o celibato sacerdotal. Ora, Cristo é o Sumo Sacerdote (Hb 4,14) e exemplo máximo para todo ministro sagrado. Consagrar corpo e alma ao Senhor implica o desejo de agradá-lo com toda a sua vida e com todo o seu ser. Cada aspecto da vida do padre celibatário precisa, pois, evidenciar esse empenho. Não apenas ele procurará viver na pureza de coração e de corpo mas seu comportamento, suas palavras, seus relacionamentos, tudo deverá revelar a beleza da sua vocação.
O Papa João Paulo II reconhece que abraçar livremente uma vida de celibato não significa renegar a própria sexualidade, mas sim reconhecê-la como um aspecto essencial de uma entrega total de si para o Outro, por amor ao Reino dos Céus. E isso se torna a fonte da fecundidade sacerdotal, não em um sentido físico, mas em um sentido espiritual. Através dessa contínua oferta de si, ele pode gerar vida espiritual e nutrir seu povo, o qual, não por acidente, o chama de “padre” (pai). A missão dos padres se conforma então com a do Cristo Esposo, que é uma missão masculina, paternal e espiritual: ser imagem da hombridade de Cristo que combate o mal, constrói o Reino, protege e guarda a Igreja e gera filhos espirituais pela Palavra da fé.
São João Paulo II observou que a pessoa celibatária deve submeter “a pecaminosidade de sua humanidade aos poderes que emanam do mistério da redenção do corpo … assim como qualquer outra pessoa deve fazer” (TdC 77,4). É por isso que ele indica que o chamado ao celibato não é só uma questão de formação, mas de transformação. A pessoa que vive essa transformação não é obrigada a dar vazão a suas luxúrias. Ela é livre com o que João Paulo II chamou de “a liberdade do dom.”
Neste sentido, o celibato consagrado só pode ser compreendido a partir do dom do Amor a Deus e aos irmãos. Pois o celibato consagrado não se caracteriza como um prêmio dos fortes, nem tampouco como uma lei arbitrária da Igreja. O celibato por causa do Reino é um dom de Deus confiado a seres humanos frágeis, porém, com o coração transbordante de amor: Portanto, naquele apelo para a continência “por amor do Reino dos Céus”, primeiro os mesmos discípulos e depois toda a Tradição viva da Igreja cedo descobrirão o amor que se refere a Cristo mesmo, como Esposo da Igreja, Esposo das almas, às quais Ele se deu a Si mesmo totalmente, no mistério da sua Páscoa e da Eucaristia. Deste modo, a continência “por amor do Reino dos Céus”, a opção pela virgindade ou pelo celibato para toda a vida, tornou-se na experiência dos discípulos e dos seguidores de Cristo o ato de uma resposta particular do amor do Esposo Divino, e por conseguinte adquiriu o significado de um ato de amor esponsal: isto é, de um dom esponsal de si, a fim de retribuir de modo particular o amor esponsal do Redentor; um dom de si entendido como renúncia, mas feito sobretudo por amor” (TdC, 79,9).