Um jornal “irado”
Já há muitos anos faço um trecho do enfeite de rua para a procissão de Corpus Christi, próximo ao largo do Bom Jesus. Trata-se de uma bonita tradição mantida em Itu há mais de 50 anos.
Sempre que possível procuro reservar uma parte do tapete para destacar uma data comemorativa, um acontecimento especial do ano. Nessa linha, em 2005 fiz uma homenagem ao centenário do jornal A Federação, que acontecia em 5 de maio daquele ano. O desenho, feito de serragem colorida, trazia uma vela acesa num candeeiro, de cuja chama saíam raios de luz que, por sua vez, terminavam em edições do jornal de diferentes épocas, fixados no chão. Os dizeres Lumen ad revelationem gentium encimavam o quadro. “Luz para iluminar os povos” é o cântico de Simeão (Lc 2, 29-32), antífona própria da festa da Purificação de Nossa Senhora, em 2 de fevereiro, quando se comemora a padroeira da cidade, a Senhora da Candelária. Tudo a simbolizar que A Federação, em seus 100 anos de existência, tal como Maria, não procurou fazer outra coisa senão refletir a luz de Cristo sobre o povo ituano.
Terminado o trabalho e já dispersados os ajudantes, fiquei por um tempo ali perto do tapete “lambendo a cria”, quando então se aproximou uma família: pai, mãe e filhos adolescentes que certamente faziam um passeio admirando os tapetes já concluídos. Foi então que ouvi uma das jovenzinhas comentar: ̶ Este é o que eu achei mais irado!
Irado é palavra feia, que na Língua Portuguesa significa colérico, furioso, enraivecido. Mas, na gíria usada pela jovem, significa bacana, algo diferente, que foge dos padrões que estamos acostumados a ver. Algo muito diferente.
De fato, como idealizava o tapete, o jornal A Federação, que neste mês completa 114 anos de existência, é um valoroso luzeiro a iluminar nossa cidade, seja como porta-voz da paróquia de Nossa Senhora da Candelária e de suas associações religiosas (o que, inclusive, motivou a escolha de seu nome), seja como defensor de uma imprensa limpa e isenta e dos valores cristãos.
Iniciativa de um grupo de católicos convictos, surgiu em 3 de maio de 1905, sob liderança do então vigário Pe. Elisiário de Camargo Barros. Eram leigos cujo coração ardia pelo ideal de propagar a fé e de combater o pensamento destoante da verdadeira doutrina. Ideal esse que moveu todos os que durante esta longa jornada guiaram os rumos do jornal, de forma abnegada e gratuita. Particularmente, considero-me honrado por ter feito parte de sua diretoria à época de seu centenário.
Defensor de uma imprensa sadia e imparcial, sempre primou por denunciar o que afrontasse a dignidade do ser humano e os valores evangélicos, fazendo valer a máxima de Santo Agostinho, que desde o princípio adotou como lema: Diligite homines et interficite errores – “Amai os homens e matai os erros”.
Parte do cotidiano dos ituanos, não há família que se preze que não o aguarde com ansiedade nos finais de semana, que não o leia com interesse, que não o ostente sobre mesas e tajeres ou mesmo esparramado nos sofás de suas salas de visita. Sem dúvida, um baluarte da fé e da tradição da nossa cidade.
Por tudo isso é que é perfeitamente aplicável, não ao tapete feito no chão, mas ao querido A Federação, a gíria usada pela jovem. De fato, um jornal bacana, diferente, que foge aos padrões que se tem por aí. Enfim, um jornal “irado”.