Cidinha
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O diminutivo do nome era pra representar a altura, metro e meio, mas não condizia com a personalidade gigante da tia que nos acompanhou pela vida toda, prima de meu pai, irmã para minha mãe, conselheira, confidente, ambas mãe-solo, que a vida colocou obstáculos e souberam transpor com tenacidade e responsabilidade.
Morava em Piedade, onde foi professora, mas vinha a Itu com frequência e, nos últimos anos, hóspede em nossa casa. Contam que era competente no Grupo Escolar, enérgica no quarto ano, turma da conclusão do antigo Ensino Primário. Morava com os três filhos: Orestes, Marcos e Regina, na casa na praça central, a poucos metros da Matriz. Frequentava a igreja diariamente, tempo do pároco Padre Giorgio. Com bela caligrafia preenchia os livros da paróquia, trabalho voluntário que estendia a dedicação ao horário livre na convivência com a família.
A gestão da casa era feita pela Abília, que morou com eles por mais de cinquenta anos. De longe se sentia o cheiro do feijão que cozinhava, recordação boa da infância, misturada ao carinho delas conosco.
Cidinha era personalidade forte, sorriso frequente acompanhado de brincadeira provocadora, mas leve, de ânimo. Contava histórias divertidas, casos verídicos, que povoaram prosas ótimas; caracterizava personagens, narrava detalhes de situações inusitadas, para mostrar posturas de outros tempos, suas tias, Nhá Tonica, Nhá Aruca, a avó Júlia. Inconformada com a injusta distribuição da herança ao pai e tios, a perda da Chácara da Pedreira era tema engraçado, capítulo da memória familiar que revelava a grandeza do caráter de quem se esforçou muito, porque em casa com oito irmãos, ela e a irmã Lília, souberam aproveitar a bolsa de estudos no Colégio Patrocínio; ela se formou em 1944.
Chamava-se Apparecida dos Santos Romano, nome composto após o casamento. Era filha de Valdomiro Marques dos Santos e Luiza Pires de Camargo. Minhas tias a chamavam “Cidinha de Miro”.
Em Itu, a velha casa de quintal com árvores de frutas, era na Alameda Barão do Rio Branco, 139. A porta aberta indicava: “tia Cidinha chegou!” Na certa viria nos visitar, prosa boa!
Cantou no Coro do Bom Jesus desde menina. Segundo ela, foi quem puxou as minhas tias ao grupo; formavam um todo de nove mulheres da mesma família, vozes entoando a trilha sonora da vida espiritual da comunidade em que o Apostolado da Oração imperava, Santuário Central do Brasil. Ela também fez parte desse grupo de fervor religioso, sub-zeladora (catequista). Organizava festas, ensaiava crianças, sob a direção do Padre Luiz Yabar, formador de uma geração de gente piedosa. No Coro, a referência era o compositor Padre Ramón Zabala, de quem falava com frequência, o enérgico que a inspirou e servia de exemplo em qualquer prosa que nos reunia. Os netos divertiam-se quando ela o citava; dentre eles, o Padre Daniel Romano, que ela não chegou a ver sacerdote.
Tia Cidinha nasceu há cem anos, 10 de dezembro de 1925 e faleceu ao completar 92. Ajudou e formou muita gente; deixou saudade pela amizade e solidariedade em nossa casa.