Cidadania e cultura
A memória, a história e a arte ficam em segundo ou terceiro plano quando a cultura de determinada sociedade é tecnocrata e a educação voltada a preparar jovens para servirem de mão de obra a setores de indústria e serviços. Nessa situação deplorável, pouco preserva-se dos elementos que permitem a compreensão do passado, deixando de lado a formação integral do ser humano e o convívio com a beleza e a história.
Quando uma comunidade perde as referências de seu passado, morre junto com elas um pouco do sentido de sua existência, o elo que conecta gerações e as faria sentirem-se pertencentes à sua comunidade. Contrariando essa lógica, se alguém trabalha pela preservação, busca estabelecer os elos com o passado, reverte as trágicas perdas e cria laços com um futuro de clareza e segurança.
Há alguns dias, completou idade nova (e data cheia), o cidadão Olavo Volpato, prefeito local no tempo da minha meninice, época em que o poder público inaugurou atividades artístico-culturais em Itu: concertos, exposições de arte e mostras sobre o passado local. Conheci muito do universo artístico através desses eventos.
Depois, quando pesquisava a história local, para organização do Museu Municipal da cidade, conheci o “Diagnóstico Geral da cidade de Itu para implantação de um programa de ação cultural”, encomendado pelo Volpato, trabalho seríssimo, em oito volumes, cujo resultado é um levantamento de inúmeros componentes da história, cultura popular, flora, fauna e arquivos, gerenciado pelo arquiteto João Walter Toscano. Contou, entre outros pesquisadores, com o sociólogo ituano Octávio Ianni. Foi também o tempo do Museu de Rua, do arquiteto Júlio Abe que distribuiu, pelas vias centrais da cidade, ricos painéis informativos (textos e fotos) sobre a Itu de outros tempos; preservação, divulgação e inovação.
Olavo Volpato, em 1979, trouxe para a cidade o título de Estância Turística e soube agir para guardar muitos elementos da memória local, como a coleção de jornais ituanos antigos, patrimônio público que um interventor militar da ditadura resolveu jogar no lixo e o jornalista Newton Costa salvou. Hoje é um acervo precioso, disponibilizado na internet, pela USP, acessível a um sem número de pesquisadores, mundo a fora. A salvaguarda desse rico material e da coleção de milhares de fotos feitas por Júlio Abe devem-se ao Volpato.
Certa vez, um jovem músico, empenhado na pesquisa dos antigos compositores locais, visitado por um colecionador de partituras preciosas, teve em mãos um conjunto de cadernos manuscritos originais de Itu. Sem condição financeira para “fazer uma cópia” para a cidade, a fim de “salvar” o material, bateu à porta do Volpato, que não era mais prefeito, mas cuidou da sua reprodução integral. Assim teve início a pesquisa musicológica que permitiu, ao Coral Vozes de Itu, recuperar dezenas de obras de Elias Lobo e Tristão Mariano cantadas ainda hoje.
Olavo nunca fez uso político-eleitoral dessas atitudes; muito pelo contrário, são capítulos desconhecidos da história local, agora registrados.
A cidadania é um exercício silencioso, que reverbera beneficamente através das gerações.
Ao caríssimo Dr. Olavo Volpato, reconhecimento e gratidão!