Ofertório não é o recreio da missa
Rezar missa parece que ficou tão complicado ultimamente! Contrariando as expectativas de quem dizia que o rito anterior à última reforma litúrgica era muito rebuscado, com um número bem maior de orações, gestos, posições, paramentos, o excesso de simplificação parece ter tido efeito contrário à medida que abriu espaço para a criatividade e, com isso, inviabilizou muitas celebrações. Já perguntei a vários padres o porquê de não haver missa diária em suas igrejas e as respostas foram praticamente unânimes. Não dá – dizem eles. Para ter missa precisamos de gente que prepare o altar, gente que ajude a missa, comentarista, leitores, salmistas (nome que dão hoje em dia ao grupo de cantores), violões, ministros da eucaristia, gente que abra e feche a igreja, que receba o povo na porta, que faça a coleta etc., etc., etc., e as pessoas não têm disponibilidade durante a semana. Quando, na verdade, para celebrar a santa missa o padre precisa única e exclusivamente dele mesmo. Ou, quando muito, de um coroinha que o ajude no altar.
Fato é que esse excesso de coisas – muitas absolutamente supérfluas, convenhamos – que envolvem hoje a celebração de uma missa, mesmo quotidiana – canto pra tudo, entrada de bíblia, palmas pra isso, palmas pra aquilo, sermão extenso – criou uma impressão de que o ofertório que se segue à liturgia da palavra seria uma espécie de intervalo da missa, um descanso, um recreio em meio à celebração quando, na realidade, é parte importantíssima no rito, em que o sacerdote oferece a Deus o sacrifício de Nosso Senhor que ali se renova. Então, resulta que naquele momento as pessoas aproveitam para relaxar, conversar com o vizinho de banco, sair para beber água, trocar fralda de criança, procurar o vidrinho de álcool na bolsa pra passar nas mãos depois de dar a esmola, virar oferecendo o álcool para todo mundo e por aí vai. Isso tudo enquanto o sacerdote, lá no altar, está oferecendo o pão e o vinho que em instantes se tornarão Corpo e Sangue do próprio Deus.
É certo que o novo missal, vigente desde 1970, por assim dizer, abalou sensivelmente o rito do ofertório. Compare as orações do ofertório no novus ordo com as do vetus ordo e tire suas conclusões. Não obstante, continua sendo exatamente naquele momento que o celebrante prepara as matérias do pão e do vinho para o ápice da missa, que renova a paixão e morte do Senhor. Então, a total atenção dos fiéis ao que se passa no altar naquela hora é condição essencial para uma verdadeira participação no sacrifício eucarístico. A participação na santa missa não se mede de forma simplista pela quantidade de respostas ou cantos que se dá (embora rezar e cantar também seja importante), mas sobretudo pela união de coração e mente ao sacerdote no altar, especialmente quando, em nome da Igreja e de olhos fixos no crucifixo que tem à frente, oferece à Majestade Divina os dons do sacrifício. Até porque, após depositar o vinho no cálice, símbolo da divindade de Cristo, acrescenta também uma gota de água que instantaneamente se funde ao vinho, simbolizando os fiéis que se unem à Sua divindade e também são oferecidos em holocausto.
Essa espécie de banalização do ofertório, fruto das invenções desnecessárias às quais nos referimos, bem como de uma quase absoluta falta de orientação e catequese litúrgica e teológica dos fiéis, acaba resultando em manifestações completamente inadequadas nesse momento da missa, como procissões em que se entram dançando, com vestes estranhas e carregando isso ou aquilo, de modo a desviar a atenção das pessoas e desvirtuar o sentido daquele momento. Ou até em blasfêmias como as que se fazem nas chamadas “missas afro”, ou a que circulou recentemente na internet, de uma procissão ao som de forró e com a participação de palhaços em pernas de pau e fazendo malabarismos, ocorrida numa paróquia de Parnamirim, no Rio Grande do Norte. E não é só nesses rincões que isso acontece; volta-e-meia o Santuário de Aparecida também nos fornece essas pérolas… São sintomas de uma liturgia esvaziada, que têm que lançar mão dessas excentricidades e aberrações para se sustentar e atrair fiéis que rapidamente vão perdendo o pouco que lhes resta de entendimento do sagrado.
Portanto, ofertório não é recreio, nem pausa, nem intervalo na celebração. E a melhor forma de participarmos da santa missa é, naquele momento, unirmo-nos ao sacerdote, prestando a máxima atenção em seus movimentos, gestos e orações para, com ele, oferecermos o sacrifício redentor de Cristo e tirarmos o máximo proveito de tão grande e insondável mistério.