Testemunho dos monges para o mundo atual
por Olga Sodré
Uma experiência alternativa ao modelo dominante.
Nossas reflexões sobre a crise atual e a possível renovação humana e social podem ser esclarecidas por exemplos concretos. A experiência dos monges católicos oferece uma rica alternativa ao modelo dominante. O que nela me encantou foi a renúncia radical desses monges para viverem numa comunidade de partilha dos bens e tarefas direcionadas para a contemplação de Deus. Seu modo de vida questiona não só a redução da realidade à percepção dos sentidos externos e ao mundo material, mas também à visão individualista e subjetiva da espiritualidade.
Lembro-me do impacto causado pela primeira visita ao mosteiro beneditino “Nossa Senhora da Paz”. Quando a beleza do canto encheu o espaço da nave, senti-me transportada para o céu e associei as monjas que cantavam ao círculo dos Serafins, os anjos de seis asas que estão voltados para a face de Deus e difundem a sua Luz. Como seu nome indica, eles são seres ‘abrasadores’ e representam o fogo ardente dos corações daqueles que se aproximam de Deus.
Percorrendo o caminho espiritual, experimentei esse desejo que incendeia todo nosso ser. Ele se manifesta nas histórias de monges que se retiram para os desertos ou florestas selvagens em busca do contato com o divino. Esses lugares se tornam, então, símbolos de pessoas com naturezas extremas que almejam a transcendência da usual condição humana. A ideia de naturezas extremas e apaixonadas, que consagram totalmente suas vidas à experiência humana do divino, corresponde à radicalidade da busca apaixonada de Deus cultivada em particular pelos monges.
Procurei demonstrar em meu doutorado em psicologia (PUC-RIO 2005) sobre a experiência espiritual de monges de diferentes tradições religiosas, que suas experiências da meditação e da contemplação têm muito a nos ensinar sobre outros modos de funcionamento do ser humano. Alguns chegam a níveis profundos da vida espiritual, atingem estados de consciência desconhecidos da maioria das pessoas e ampliam a abertura do ser para o mundo transcendente. Os monges católicos tornam presentes os valores do Reine de Deus. Eles dão testemunho da supremacia dos bens espirituais e do diálogo com Deus, de uma vida de partilha, fraternidade e solidariedade.
Há semelhanças entre as práticas dos monges de diferentes tradições religiosas, mas é importante reconhecer as diferenças. A iluminação proposta pela meditação oriental, por exemplo, difere do processo de acesso a Deus realizado pela união com Cristo. A primeira é uma conquista extraordinária que realiza potencialidades excepcionais da consciência humana, enquanto que a Luz do Espírito que recebemos de Cristo nos torna participantes da vida de Deus. Por isso, Cristo nos diz que é preciso renascer pelo Espírito. Nós temos dois nascimentos: o corporal e o espiritual. A Luz do Espírito transfigura o ser humano e o integra no edifício do Reino de Deus. Não se trata de um processo apenas interior e pessoal. Ele corresponde a uma nova criação, à construção de novos céus e uma nova terra. Essa é a renovação radical que esperamos, e da qual começamos a participar ainda em nossa limitada condição humana pela caminhada com Cristo.