O Papa aos religiosos: que o exercício da autoridade não se degenere em formas autoritárias
O Papa Francisco recebeu em audiência, neste sábado (26/11), os participantes da assembleia da União dos Superiores Gerais (USG) que se reuniram em Assembleia de 23 a 25 de novembro, na cidade de Sacrofano, próxima a Roma, sobre o tema “Chamados a ser artífices da paz”. Francisco sublinha, em seu discurso entregue, que construir a paz é um apelo urgente que diz respeito a todos e “especialmente às pessoas consagradas”.
O Papa decidiu falar espontaneamente aos 150 superiores gerais que encontrou na Sala do Sínodo e oferece em seu texto escrito uma ampla reflexão sobre a paz, especificando que a paz doada por Deus aos homens “e que nos faz sentir todos irmãos” não é “uma situação de não-guerra ou de fim-de-guerra, um estado de tranquilidade e bem-estar”, mas é “fruto da caridade, nunca é uma conquista do ser homano”, “é um conjunto harmonioso das relações com Deus, consigo mesmo, com os outros e com a Criação”. “A paz é também a experiência da misericórdia”, acrescenta o Papa, “do perdão e da benevolência de Deus, que nos torna capazes de exercer a misericórdia, o perdão, rejeitando toda forma de violência e opressão”.
A paz fruto de um trabalho artesanal
A paz se baseia “no reconhecimento da dignidade da pessoa humana”, afirma Francisco, “e exige uma ordem para a qual contribuem inseparavelmente a justiça, a misericórdia e a verdade”.
“Fazer a paz” é um trabalho artesanal, a ser feito com paixão, paciência, experiência, tenacidade, porque é um processo que perdura no tempo. A paz não é um produto industrial, mas um trabalho artesanal. Não se realiza de forma mecânica, requer a sábia intervenção humana. Não é construída em série, apenas com o desenvolvimento tecnológico, mas requer desenvolvimento humano. Por isso, os processos de paz não podem ser delegados aos diplomatas ou aos militares: a paz é responsabilidade de todos e de cada um.
As responsabilidades dos consagrados
O Papa então se dirige aos consagrados, exortando-os a se comprometerem a semear a paz com “ações cotidianas, com atitudes e gestos de serviço, de fraternidade, diálogo, misericórdia” e a rezar incessantemente para obter de Jesus o dom da paz. Tudo isso começando “com suas próprias comunidades”, construindo pontes e não muros dentro e fora delas.
Quando cada um contribui cumprindo seu dever com caridade, há paz na comunidade. O mundo também precisa de nós consagrados como artesãos da paz!
Que o serviço da autoridade não se degenere em despotismo e abuso
No entanto, há outro aspecto que deve caracterizar a vida consagrada, destaca Francisco: a sinodalidade.
Como consagrados, temos a obrigação especial de participar dela, pois a vida consagrada é sinodal por sua natureza. Também possui muitas estruturas que podem promover a sinodalidade.
O Papa evidencia que essas estruturas, capítulos, visitas fraternas e canônicas, assembleias, comissões e outras estruturas próprias de cada instituto, devem ser revistas.
Deve-se ver e talvez também rever a forma de exercer o serviço de autoridade. De fato, é necessário estar vigilante contra o perigo de que possa se degenerar em formas autoritárias, às vezes despóticas, com abusos de consciência ou espirituais que são também terreno propício para os abusos sexuais, porque a pessoa e seus direitos não são mais respeitados. E ainda, corre-se o risco de que a autoridade seja exercida como um privilégio, para quem a detém ou para quem a sustenta. Portanto também como uma forma de cumplicidade entre as partes, para que cada um faça o que quer, favorecendo assim, paradoxalmente, uma espécie de anarquia, que tanto dano causa à comunidade.
A sinodalidade dos consagrados é preciosa para a Igreja
Francisco espera “que o serviço da autoridade seja sempre exercido em estilo sinodal, respeitando o direito próprio e as mediações que ele oferece, para evitar o autoritarismo, os privilégios e o “deixar pra lá”; favorecendo um clima de escuta, respeito pelos outros, diálogo, participação e partilha”. Caminhar juntos, escutar-se, valorizar a variedade dos dons e ser comunidades acolhedoras é o modo de viver a sinodalidade, acrescenta o Papa, e os consagrados, com o seu testemunho, “podem dar muito à Igreja”, sobretudo no processo de sinodalidade que está sendo vivido.
Salvaguardar a comunhão
Por fim, as reorganizações e as reconfigurações dos institutos. O Papa recomenda que elas sejam sempre feitas salvaguardando a comunhão, “para não reduzir tudo em fusões de circunscrições, que podem se revelar não facilmente controláveis ou motivo de conflitos” e que “os superiores estejam atentos a fim de evitar que algumas pessoas não estejam bem ocupadas, pois isso, além de prejudicar os sujeitos, gera tensões na comunidade”. O Papa conclui, pedindo aos superiores gerais para realizarem o seu serviço “com serenidade e com fruto”, reiterando o convite a serem artífices da paz.