O maior entre os nascidos de mulher

A recente solenidade de São João Batista, em 24 de junho, intensificou as homenagens ao santo precursor do Messias, a quem Ele próprio atribuiu a profecia de Malaquias: “É dele que está escrito: Eis que eu envio meu mensageiro diante de ti para te preparar o caminho (Ml 3,1)” (Mt 11,10). Muito se exaltou, em escritos e pregações, a coragem desse grande santo, primo de Nosso Senhor e a quem foi incumbido “Preparar os caminhos do Senhor, endireitar as suas veredas” (Lc 3,4).
Mas todo esse frenesi em torno da bravura de João Batista acaba soando vazio numa época em que a Igreja passa por uma crise justamente de coragem, muitas vezes relativizando verdades de fé e moral definidas pelas Sagradas Escrituras e pela Tradição, relevando comportamentos e posturas em nome de uma duvidosa pastoral de condescendência equivocadamente (ou maliciosamente) denominada “misericórdia”. Daí se origina a abertura de muitos membros da Igreja, mesmo padres e bispos, a causas como a comunhão para os divorciados ou conviventes sem a graça do Matrimônio, o feminismo e o movimento homossexual, o apoio aos regimes e ideologias ateias, o ecologismo radical, o ecumenismo, quando não até mesmo ao aborto, entre outras bandeiras anticristãs sustentadas vorazmente pelo ativismo atual.
João Batista foi martirizado provavelmente no ano 28 da Era Cristã. Foi friamente decapitado após um descuido do rei Herodes Antipas que, ao maravilhar-se com a dança de Salomé no banquete do aniversário dele, prometeu dar a ela qualquer coisa que pedisse. Sem saber o que dizer, a moça foi aconselhar-se com a mãe, Herodíades, que desferiu sua implacável sentença: “A cabeça de João Batista”. Surpreso, Herodes entristeceu-se com o pedido, pois respeitava e admirava João, mas sua vaidade e covardia não o podiam fazer recuar. E a cabeça do profeta, a estas alturas prisioneiro do palácio, foi exibida aos convidados numa bandeja, episódio narrado no capítulo 6 do evangelho de Marcos.
Mas o ódio de Herodíades pelo profeta não era de graça. Embora fosse mulher de Filipe, irmão de Herodes, este a havia desposado. João Batista não hesitou em denunciar o adultério: “Não te é permitido ter a mulher de teu irmão” (Mc 6,18). E olha que nem Herodes nem Herodíades eram judeus! Nem tampouco o casamento havia sido elevado por Cristo à dignidade de sacramento. E só tempos mais tarde a doutrina sobre o divórcio seria melhor clareada por Nosso Senhor: “Ouvistes o que foi dito aos antigos: Não cometerás adultério. Eu, porém, vos digo: todo aquele que lançar um olhar de cobiça para uma mulher, já adulterou com ela em seu coração” (Mt 5,27-28), e “Todo o que abandonar sua mulher e casar com outra, comete adultério; e quem se casar com a mulher rejeitada, comete adultério também” (Lc 16,18)… Mas João – “voz que clama no deserto” (Jo 1,23) – denunciava com coragem e bravura o pecado, sem temer represálias.
Ao referir-se a João, Nosso Senhor em momento algum o censura, dizendo que não havia agido com misericórdia para com o nobre casal; que afinal de contas todos tinham o direito a serem felizes; que isso era inevitável; que hoje em dia é assim mesmo e outras desculpas esfarrapadas que ouvimos a todo momento, mesmo entre quem se diz católico. Ao contrário, o testemunho do Mestre em relação ao profeta é de uma beleza ímpar: “Em verdade vos digo: entre os filhos de mulher, não surgiu outro maior que João Batista” (Mt 11,11). Seu papel foi de tal importância que lhe valeu uma posição especial na liturgia da Igreja que inseriu a invocação de seu nome no confiteor e no canon da santa missa, entre outras orações, além de dedicar-lhe solenidade especial para festejar seu nascimento, prerrogativa somente dada a Cristo e à sua Mãe Santíssima.
Mais do que nunca, precisamos de bispos e padres, religiosos e religiosas, homens e mulheres, católicos da coragem de João Batista. Se por um lado somos chamados a agir com misericórdia, também o somos à defesa da verdadeira fé, da moral, da justiça e dos imutáveis valores cristãos, atitude que, mesmo que às vezes aparente dura, impopular ou antipática, nem por isso deixa de ser misericordiosa.
No famoso Sermão da Montanha, Nosso Senhor ensinou que são “Bem-aventurados os que são perseguidos por causa da justiça, porque deles é o Reino dos céus! (…) Alegrai-vos e exultai, porque será grande a vossa recompensa nos céus (…)” (Mt 5,10.12). Que o valoroso exemplo de coragem de São João Batista ajude-nos a estar sempre prontos à defesa da Fé e da Igreja de Nosso Senhor nestes tempos turbulentos por que passamos.