Monsenhor Camilo, obrigado!
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Alguns padres formaram profundamente o meu ministério: Monsenhor Durval, Dom Amaury, Dom Vicente. Mas ninguém me formou mais do que Monsenhor Camilo Ferrarini. Este ano, ao completar 100 anos do seu nascimento, sinto a necessidade de dar este testemunho, pois sua influência marcou cada aspecto da minha vida e vocação sacerdotal. Monsenhor Camilo não era apenas um sacerdote; ele era uma inspiração viva, um modelo de fé, dedicação e amor ao próximo.
Eu não frequentava a igreja; tinha apenas 8 anos. Um dia, Monsenhor Camilo foi celebrar uma missa na escola Dr. Cesário Mota. Quando terminou, ele se aproximou de mim e perguntou, do nada: “Não quer ser coroinha? Vai quarta-feira na Matriz.” Naquele momento, nascia não apenas um coroinha, mas um futuro padre. Sua chamada direta e carinhosa mudou minha vida para sempre. Foi uma abordagem tão inesperada e genuína que acendeu em mim uma chama que nunca mais se apagou.
Não preciso nem falar daquilo que a molecada daquele tempo vai lembrar: futebol, queimada, pebolim, melancia, orquídeas, lavar os carros (Fusca, Gol…), missa das crianças e praia. Mas o que a molecada realmente queria era abraçar Monsenhor. Ele tinha um jeito especial de cativar as pessoas, especialmente as crianças. Aprendi com ele a importância do abraço, do toque humano, que transcende palavras e leva consolo e alegria. Monsenhor Camilo nos ensinava que um abraço sincero podia transmitir amor, compreensão e acolhimento, valores que carrego comigo até hoje.
Monsenhor Camilo era incansável no atendimento às pessoas. Uma multidão vinha de toda a cidade de Itu para buscar uma palavra de conforto, libertação e amizade. A fila era imensa! Durante a semana, celebrava duas ou três missas por dia, e nos fins de semana, às vezes, até sete, sempre com o mesmo ânimo. Além disso, realizava inúmeras confissões, atendimentos e visitas aos enfermos e amigos. Quantas vezes ele, após a feira, passava na casa dos meus pais, dava um olá, e meus irmãos, Sibele e Fernando, e eu ficávamos orgulhosos por sermos amigos do Monsenhor.
Paciência foi uma virtude que encontrei também nele. Quantas vezes o vi demonstrando paciência com pessoas difíceis, incompreensões e situações desafiadoras dentro e fora da Igreja. Sempre dizia: “Paciência! Paciência.” Esse ensinamento ficou gravado em mim e me guia até hoje.
Aprendi com Monsenhor Camilo a amar as crianças, a ter tempo para elas. Tenho para mim que você conhece um padre pelo jeito que ele celebra e pelo trato que ele tem com as crianças. Recordo-me da passagem de Jesus com as crianças, um ensinamento que Monsenhor praticava diariamente. Ele me ensinou que as crianças são pacotinhos de amor.
Um dia, cheguei cedo para uma missa e o encontrei na varanda com Dom Roberto Pinarello de Almeida, bispo na época. Eu nem sabia o que era um bispo, nunca tinha visto um antes. Monsenhor profetizou: “Esse vai ser um dos nossos!” Essa simples frase foi uma semente plantada em meu coração, que germinou e floresceu ao longo dos anos, levando-me ao sacerdócio.
Minha experiência como coroinha, ajudando nos apostolados, missas e casamentos, foi como um treinamento divino para o meu futuro sacerdócio. Quem conhece a minha história sabe que ali já era um laboratório litúrgico para o meu ministério. Muitas vezes, por exemplo, sem entender completamente o que estava acontecendo, ajudava Monsenhor em exorcismos, até o dia em que, segurando água benta, uma mulher possuída avançou sobre ele e nos derrubou. Ele levantou, me deu uma bala de pêssego e disse: “Não é nada, é só barulho, olha para Jesus!” Não posso negar a providência divina me forjando ali para exercer esse ministério de modo particular. A experiência, apesar de assustadora, me ensinou sobre a importância da fé em Jesus e da coragem diante do inimigo. Só sei que fiquei uns três dias sem dormir depois daquele dia! Kkkkkkkkk!
O desejo de estudar teologia brotou ao ver Monsenhor falar tanto de Santo Agostinho e São Tomás de Aquino. Lembro-me de uma vez, ainda menino, dizendo que queria ler as Confissões de Agostinho. Ele sorriu e disse: “Você vai ter tempo para isso, venha aqui dar um abraço.” Houve outra vez que, de forma ingênua, falei que queria ler “Pratão”. Ele riu e disse: “Sai pra lá, moleque! Pratão de comida é um prato de Itu! Vai brincar e não fica pensando nisso. No futuro você lê Platão.” Esses momentos de humor e carinho mostravam seu lado humano e acessível.
Hoje, cada vez que me sinto esgotado pelos atendimentos e missas, penso em como Monsenhor fazia, como ele aguentava! E me lembro dele diante do Santíssimo Sacramento, rezando o terço, pedindo graças a Santa Rita e São Miguel. Muitas vezes, caminhando com ele pelas ruas do centro de Itu, parávamos a cada momento porque todos queriam conversar, abraçar e sorrir com ele. Encontros com irmãos de rua eram frequentes, sempre ajudados com algo do bolso ou um prato de comida na casa paroquial. Mais uma influência que carrego: o amor pelos pobres, a “Totus Tuus.” Ele me ensinou que a verdadeira caridade não está apenas em dar, mas em estar presente e compartilhar a vida com todos.
Quando celebrei minha primeira missa, em 1 de junho de 2013, Milva Guarnieri, uma grande amiga, me permitiu usar o cálice dele. Sei que, desde aquele dia, Monsenhor está comigo no meu ministério, no pouco que pude seguir seus passos. As coisas mudaram muito! Nós, padres, mudamos; Itu, também, mudou, nem sei se ainda é a Roma Brasileira. Mas uma coisa não podemos negar sobre a cidade: a capacidade de forjar santos. Padre Bartolomeu Taddei, Padre Bento, Madre Voiron, Dom Gabriel e, com certeza, o nosso Monsenhor Camilo.
Muito obrigado, Monsenhor! Serei eternamente grato! Um dia estaremos juntos, agora nós dois como padres, e falaremos das maravilhas do Senhor enquanto comemos uma melancia.