O que é  a verdade?
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“O liberalismo foi degradado em liberalidade. Os homens tentaram transformar ‘revolucionar’ de verbo transitivo para intransitivo. O jacobino poderia falar-lhe não apenas do sistema contra o qual ele se rebelaria, mas (o que era mais importante) do sistema contra o qual não se rebelaria, o sistema em que confiaria. Mas o novo rebelde é um cético e não confia inteiramente em nada. Ele não tem lealdade; portanto, ele nunca pode ser realmente um revolucionário. E o fato de duvidar de tudo atrapalha quando ele quer denunciar qualquer coisa. Pois toda denúncia implica uma doutrina moral de algum tipo, e o revolucionário moderno duvida não apenas da instituição que denuncia, mas da doutrina pela qual ele denuncia. Assim, ele escreve um livro reclamando que a opressão imperial insulta a pureza das mulheres, e depois escreve outro livro (sobre o problema do sexo) no qual insulta a si mesmo. Ele amaldiçoa o sultão porque as garotas cristãs perdem a virgindade, e a seguir amaldiçoa a sra. Grundy porque elas a preservam. Como político, clamará que a guerra é um desperdício de vidas e então, como filósofo, que toda a vida é um desperdício de tempo. Um pessimista russo denunciará um policial por matar um camponês e depois comprovará, pelos mais altos princípios filosóficos, que o camponês deveria ter-se matado. Um homem acusa o casamento de ser uma mentira e depois acusa os libertinos aristocráticos por tratar o casamento como mentira. Ele chama uma bandeira de coisa sem importância e depois culpa os opressores da Polônia ou da Irlanda por arrancarem essa coisa sem importância. O homem dessa escola vai primeiro a uma reunião política, onde reclama de os selvagens serem tratados como se fossem animais; então, pega o chapéu e o guarda-chuva e vai para uma reunião científica, em que prova que eles, na prática, são animais. Em suma, o revolucionário moderno, sendo um cético infinito, está sempre empenhado em minar as próprias minas. Em seu livro sobre política, ele ataca os homens por maltratarem a moralidade; em seu livro sobre ética, ele ataca a moralidade por maltratar os homens. Portanto, o homem moderno em revolta tornou-se, na prática, inútil para todos os propósitos de revolta. Ao se rebelar contra tudo, ele perdeu o direito de se rebelar contra qualquer coisa.”
No trecho acima, de Ortodoxia (célebre obra apologética de 1908), o magistral escritor inglês Gilbert K. Chesterton analisa de forma clara a incoerência do homem revolucionário moderno, para o qual a verdade de fato não existe. O que existe é única e exclusivamente “conveniência”.
Com efeito, se olharmos para o mundo atual, em especial para o nosso Brasil e para todos os países que, como ele, gemem sob governo ou influência comunista (meta do revolucionário moderno), nos deparamos com uma enxurrada de escancaradas e gritantes incoerências e contradições. É muito difícil – quase impossível – encontrar um único tema sobre o qual não ajam em sentido contrário do que efetivamente pregam. Vejamos alguns exemplos, entre centenas:
Esquerdistas em geral são intransigentes defensores dos direitos da mulher e da igualdade de gênero nos países ocidentais, mas costumam fazer vista grossa ao que acontece com elas nos países islâmicos, onde muitas vezes são tratadas como escravas, privadas dos direitos individuais mais elementares. Enquanto favorecem a liberação da maconha e de outras drogas, em nome da liberdade individual de escolha, travam verdadeiras guerras contra o cigarro, guloseimas, refrigerantes e gorduras trans, de forma que a liberdade de escolha depende da substância e não do discernimento do consumidor. Enquanto fazem campanhas para defesa da infância, incentivam a erotização das crianças por meio de músicas, roupas indecorosas, educação sexual nas escolas. São inimigas da polícia e as dizem incompetentes, mas são contrárias ao armamento e à auto-defesa do cidadão. Pregam a liberdade de escolha da mulher em relação ao aborto, mas querem reduzir essa mesma liberdade quanto à escolha da forma de parto, o uso de vacinas experimentais etc. Consideram que os menores de 18 anos estão aptos a votar, ter empresas e vida sexual ativa e até mesmo dirigir automóveis, mas são ao mesmo tempo absolutamente imaturos e incapazes de assumir responsabilidades por seus delitos. Defendem os direitos dos homossexuais, mas veneram alguns de seus maiores algozes como Che Guevara, Fidel Castro e outros líderes comunistas, símbolos da perseguição contra os gays. Acham que a liberdade de expressão deve ser restringida quando agride, por exemplo, muçulmanos e religiões africanas, mas não estão nem aí para as agressões contra símbolos cristãos ou judeus. Pediram e apoiaram o impeachment constitucional de Collor mas o de Dilma foi golpe. Enquanto almejam viver numa sociedade sem distinção de classes ou raças, são os primeiros a dividi-la de acordo com a classe social ou a cor da pele. Acusam adversários de ditadores quando apoiam ditaduras comunistas e não medem esforços e atos para impor seus projetos de governo, mesmo que ao atropelo das leis e da democracia que tanto dizem defender. Pregam a tolerância e o amor… desde que não se discorde de suas ideias…
Como disse, são só alguns exemplos, entre muitos, que ratificam a mais que centenária visão profética de Chesterton e, por que não dizer, fazem ecoar e perpetuar nos nossos dias a ironia, o desdém e o relativismo da pergunta que há dois mil anos já era feita por Pilatos a Nosso Senhor em João 18,38: Quid est veritas?