O hospital de Guapira (1)
Meu ouvinte de todos os sábados! Palmilhando sempre a senda percorrida por Madre Teodora, em suas abençoadas fundações, vimos já, há mais de seis meses acompanhando com os que nos dão o prazer de escutar-nos, a obra imensa deixada pela ardorosa apóstola, fixando-nos ora num colégio, ora num orfanato, ora num asilo de velhos, ora numa Santa Casa. Hoje, deteremos nossos passos num recanto pungente, onde só almas “amantes do heroísmo” poderiam fixar morada e encontrar felicidade na missão que Deus lhes confiara. Vivamos uns instantes o estoicismo daquele retiro onde a dor executa o ritmo macabro de uma sinfonia inenarrável, onde o isolamento e o terror dirigem o espetáculo. Entremos em Guapira, nome que traz logo à nossa ideia um mundo de sofrimento e martírio.
Vejamos como nasceu o Hospital para morféticos. Em 1892 foi comprado pela hoje irrisória quantia de Cr$ 120,00 a chácara Olaria, à rua João Teodoro, em São Paulo. Aí funcionou por muitos anos o asilo destinado a abrigar os pobres doentes, até que, condenado pela ação do tempo, deu lugar a que se pensasse em novo sítio para alojar os leprosos. Por iniciativa do Dr. Cerqueira Cesar, então provedor da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia, foi comprada a fazenda Guapira. Dando largas à caridade existente em seus corações abriu-se generosamente a bolsa dos paulistas e, a 4 de setembro de 1904, novo edifício é inaugurado a 20 km de São Paulo, com a finalidade altamente cristã de recolher os infelizes portadores do Mal de Hansen.
Já às abnegadas Irmãs de São José está entregue o cuidado dos doentes internados na Santa Casa. O pessoal da mesa administrativa de há muito planeja entregar-lhes também esse setor. No começo, são as próprias Irmãs, que, compadecidas, não só da miséria física, mas principalmente de total ausência de socorros espirituais aos tristes segregados da sociedade, vão ao encontro dessa pobre gente, uma ou duas vezes por semana, a fim de levar-lhes remédios, doces, carinho, assistência religiosa, conforto de uma palavra amiga e encorajadora.
Logo às primeiras visitas, sentem as intrépidas apóstolas a necessidade imperiosa de um trabalho permanente no mísero reduto. Esperam apenas que o Divino Mestre lhes peça o sacrifício total. Esse dia não tarda e, a 14 de setembro de 1905, dia da exaltação da Santa Cruz, Madre Teodora entrega a suas filhas mais uma tarefa, encarregando-as de velar pela sorte eterna dos pobres morféticos. Sabe bem de quanta renúncia, de quanta abnegação, de quanto sacrifício será tecida a nova coroa que lhes coloca à fronte, como conhece também perfeitamente de que fibra é formada a alma das novas missionárias, e por isso assume confiante mais essa tremenda responsabilidade.
Triste e perigoso lugar de segregados, Guapira será em breve, nas mãos de Madre Emerenciana Chavanel, o “anjo dos leprosos”, um novo santuário, onde a dor e a desdita do isolamento e do abandono cederia lugar à serena conformidade com a vontade divina e à esperança de um trono na pátria dos bem-aventurados.
Madre Emerenciana entrega-se de corpo e alma ao sublime mister de minorar a angústia dos infelizes párias. Ao assumir a direção do asilo, contempla entristecida o terreno matagoso e de charcos que parecem aumentar o abandono dos internados. Pensa logo em transformar a terra em ricas pastagens e culturas e, para isso, serve-se dos próprios doentes, proporcionando-lhes assim distração e deles afastando o seu mais terrível inimigo – o ódio.
28 de setembro de 1957
Maria Cecília Bispo Brunetti
Acervo – Museu da Música – Itu