Finados da pandemia
por Celso Tomba
Nesta segunda-feira, 02 de novembro, faremos memória de nossos entes falecidos, como fazemos todos os anos. Mas, neste 2020, esse será o Dia de Finados da pandemia. Às vésperas de completarmos um ano do início da proliferação do novo coronavírus, já contamos quase 1 milhão e 200 mil mortos em todo o mundo, perto de 160 mil no Brasil.
Os especialistas apontam que a morte de uma pessoa pode deixar, ao menos, outras 11 enlutadas, uma média do número de pessoas com vínculos mais estreitos com quem faleceu. Se multiplicarmos esse número pelos 160 mil óbitos, estamos falando de quase 1 milhão e 800 mil enlutados em decorrência de Covid-19, só no Brasil.
Além das mortes, há uma sensação de insegurança, mudanças nas relações sociais e ansiedade em relação ao futuro, não só em termos de saúde, mas também em relação à estabilidade econômica. Para os especialistas, estamos em meio a uma crise de luto coletivo. Todos nós estamos perdendo alguma coisa…
Além das perdas individuais – que são todas irreparáveis, especialmente pelo olhar de familiares e amigos – a situação se tornou ainda mais dolorosa pela impossibilidade de realizar a despedida do ente querido, conforme estamos acostumados. As cerimônias de velório e sepultamento, ou mesmo cremação, tiveram que ser realizadas com número reduzido de pessoas ou até mesmo sem a presença de familiares. Perdemos a possibilidade da despedida e também o abraço acolhedor de nossos parentes e amigos. Para muitas pessoas, tem sido ainda mais difícil encontrar alento nessa situação.
Por mais difícil e dolorosa que seja essa fase, é fundamental vivenciá-la. Quando alguém se vai, parece que perdemos uma estrutura, toda uma convivência é quebrada. Diante disso, é preciso espaço e tempo para sentir a dor da perda, chorar, elaborar sentimentos e dar novo significado ao sofrimento. Viver o luto é parte do amadurecimento e é fundamental para reunir forças para seguir em frente.
Se não podemos vivenciar o luto da forma como gostaríamos, precisamos contar com um recurso que o ser humano tem: a capacidade de simbolizar. Se nós não podemos realizar o luto da forma concreta como estamos habituados, podemos buscar outras formas de vivenciar o momento. Devemos pensar maneiras de nos despedirmos, descobrir como nos sentirmos conectados a esse momento. Precisamos encontrar meios de sinalizar e externar o que estamos sentindo, já que o ritual tradicional não está sendo possível.
É isso que propõe a campanha “É tempo de cuidar da saudade e da Casa Comum”, promovida pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), para este Dia de Finados: todos os brasileiros são convidados a plantar uma árvore em memória dos entes falecidos. Os bispos pedem a “todos que experimentam a saudade e se angustiam com a devastação ambiental” que plantem uma muda de árvore nativa de sua região, se possível alimentícia, no local que tiver disponível. Uma nova forma de simbolizar a perda.
O luto não é público nem privado, o luto é íntimo. É o período em que a pessoa assimila o que ocorreu, entende, supera e reconstrói a vida. É um processo normal que não deve ser apressado, nem eliminado. E, acima de tudo, é um processo individual, pessoal. E, mesmo sem poder vivenciar a perda da forma como gostaríamos, os vínculos permanecem e podemos buscar outras formas de simbolizar o luto. Quem sabe, até, oferecendo mais vida para este mundo…