Espaço de encontro, fraternidade e amizade
por Olga Sodré
As luzes dos seres se unificam na fonte do coração
A terceira encíclica do Papa Francisco, “Fratelli tutti” (“Todos irmãos”), fala do encontro, fraternidade e amizade social entre os seres humanos. Escutei-a não apenas como uma síntese de seu pontificado, mas como uma “Carta de Cristo” sobre o momento histórico da humanidade. A encíclica resume com força e clareza os alertas que vêm ressoando no fundo do meu coração, ao longo de todo esse ano. O Papa critica as terríveis desigualdades econômicas e socias, destacando o vírus do individualismo como o mais difícil de derrotar. Ele nos convida a aceitar o desafio de sonhar e pensar em uma nova humanidade, num planeta que assegure terra, teto e trabalho para todos. Considerando que a pandemia evidencia a incapacidade dos governantes de atuarem em conjunto num mundo falsamente globalizado, o Papa propõe uma profunda transformação mundial.
É um texto iluminado, luz na escuridão que se propaga sobre o planeta, num mundo fechado sobre si mesmo, dominado pela ambição, pelo dinheiro, pela falta de respeito aos direitos humanos e pelo sistema do mercado neoliberal que destrói as pessoas e a natureza. O que tenho escrito ao longo de 2020 está não por acaso em estreita sintonia com esse texto. Venho assinalando que, quando mergulhamos espiritualmente em Cristo, descobrimos um espaço interior no qual todos os seres estão intimamente relacionados: todos somos irmãos! Tenho procurado testemunhar sobre o caminho que nos leva a esse espaço, sublinhando a ilusão do individualismo e o perigo da divisão e ódio que nos separa uns dos outros.
O Papa recomenda viver fraternalmente mesmo com quem não partilhe a mesma fé. Ele alerta sobre alguns importantes sinais da profunda crise civilizatória atual: a “cultura do descarte”, que tende a marginalizar os mais vulneráveis da sociedade, em especial os pobres, os que sofrem de alguma deficiência, os idosos, os imigrantes e os jovens; a ênfase na eficiência econômica; e as mudanças climáticas. Sublinha a regressão para conflitos que se consideravam superados: o ressurgimento de nacionalismos fechados, exacerbados, ressentidos e agressivos, novas formas de egoísmo e de perda do sentido social mascaradas por uma suposta defesa dos interesses nacionais.
Ele assinala que a pandemia revelou a incapacidade de agir em conjunto, enfatizando a importância da solidariedade e da ruptura das barreiras de preconceitos que separam as pessoas por raça, credo ou orientação política. Ele se opõe às injustiças e defende o reconhecimento mútuo das diferenças culturais e religiosas, o diálogo e o fortalecimento da identidade própria de cada cultura.
Em contraposição à crescente polarização, ele propõe uma “cultura do encontro”, de paz, fraternidade, amizade e justiça social como portas para a alegria de viver plenamente, amar, crescer e transformar nosso mundo, em harmonia consigo mesmo, com os outros e com a natureza. Essa encíclica escrita pelo Papa nos traz, portanto, um alerta a respeito da crise e crescente destruição geradas por um falso globalismo e um desenvolvimento desequilibrado.
A carta encerra um período de alertas, abrindo caminho para a mensagem de Cristo sobre a necessidade de uma transformação radical da humanidade.