Credo, Domine, adjuva incredulitatem meam
Após participarmos da procissão de Corpus Christi em Curvelo na manhã de 8 de junho último, para qual inclusive pudemos colaborar confeccionando um trecho do tapete de serragem por onde passaria o Santíssimo Sacramento, da Basílica de São Geraldo até a Matriz de Santo Antonio, partimos para Belo Horizonte. Ali pernoitaríamos para um passeio nas redondezas da cidade, no dia seguinte.
Chegamos na capital logo depois do almoço e, já devidamente instalados, comecei a procurar alguma igreja que ainda contasse com celebrações na parte da tarde. Acostumado com Itu, onde os festejos eucarísticos se estendem durante todo o dia, terminando com a procissão no final da tarde, eu não podia me conformar em terminar o feriado dentro de um hotel ou mesmo fazendo qualquer coisa que não tivesse relação com a data. Foi então que descobri que a procissão principal da cidade aconteceria logo mais, saindo da catedral de Nossa Senhora da Boa Viagem.
Era a primeira vez que eu participava de uma procissão numa cidade grande, o que foi para mim razão de profunda reflexão sobre a secularização da sociedade em que vivemos. Por um lado, fiquei admirado com a quantidade de fiéis, com as orações e cantos que se faziam e com os belíssimos tapetes, também de serragem colorida, montados ao longo de todo o trajeto. Por outro, espantei-me com a total indiferença da cidade em relação Àquele que por ali passava. Terminada uma concorrida missa campal ao lado da catedral, teve início a procissão que terminaria com uma bonita bênção eucarística nas escadarias do Santuário Arquidiocesano de São José, a um quilômetro da catedral.
Acompanhei o cortejo bem na frente, o que me possibilitava voltar-me ocasionalmente para trás e observar a procissão que seguia, já de noite, em duas faixas a ela reservadas da movimentada avenida Afonso Pena, uma das principais que cortam a área central da cidade. Via o Santíssimo, sob o pálio, dividindo espaço com ônibus, carros e motos que desafiavam o policiamento de trânsito responsável pela segurança dos participantes. Faróis, buzinas e fumaça de escapamento confundiam-se com velas, cânticos, orações e incenso, de modo a demonstrar a total indiferença do mundo em relação ao que, a seu lado, estava passando… Ah, se soubessem que ali, a poucos metros, passava o próprio Deus Criador do universo! Aquele para quem “cada um de nós é fruto de um pensamento seu, querido, amado e necessário” (Bento XVI, 24/04/2005), a razão da existência de cada um e fim último de suas vidas!…
O mundo não é mais cristão! Triste realidade com a qual nos deparamos mais explicitamente em situações como esta, que realça a total indiferença das pessoas em relação Àquele que os criou e os conduz.
Mas, deixando um pouco de lado aquele entorno cético da procissão, todavia rezando por ele e confiando-o à misericórdia de Deus, passei a refletir sobre nós, que estávamos ali seguindo Nosso Senhor na Eucaristia em sua solenidade maior. Até que ponto nós, os católicos, aqueles que frequentam a igreja e suas liturgias, temos a consciência e a fé em Cristo realmente presente na Hóstia Consagrada, dádiva suprema do Seu amor pela humanidade?
Lá nos idos de 1947, o saudoso amigo Pe. Paulo de Souza, um dos últimos jesuítas que por Itu passaram, recém ordenado, estava às voltas com os preparativos de sua primeira missa, em Buenos Aires. Durante o ensaio, em meio ao sobe-e-desce do altar para memorizar as posições que deveria conciliar com diácono, subdiácono etc., o neo-sacerdote é interrompido por um velho padre. Puxando-o pelo braço, o sacerdote sobe com ele ao altar e diante do sacrário lhe diz: “Meu filho, toda missa que celebrar na vida, quando elevar o Corpo e o Sangue de Nosso Senhor após a consagração, nunca se esqueça de olhá-los profundamente e de dizer ‘Credo, Domine, adjuva incredulitatem meam’. Agora pode voltar ao seu ensaio”. “Creio, Senhor, mas ajuda a minha incredulidade” são as palavras proferidas a Nosso Senhor pelo homem cujo filho estava possuído por um demônio, em Marcos 9,24.
Sabemos que Cristo está realmente presente na Eucaristia. Não é um símbolo, uma simples figura: “Isto É o meu Corpo”, “Este É o cálice do meu Sangue” (Mt 26,26-28). Mas até que ponto nós – mesmo os sacerdotes – efetivamente acreditamos nessa realidade de um Deus que por nós se faz comida e bebida, sustento para nossa caminhada neste mundo? O comportamento em nossas igrejas, especialmente durante a Santa Missa, não parece atestar uma consciência viva dos fiéis em Cristo na Eucaristia: conversas desnecessárias, posições inadequadas, roupas indecentes, banalização da comunhão…
Por tudo isso, não negligenciemos um único dia em pedir a Nosso Senhor a fé, repetindo confiantes as palavras do Evangelho: “Creio, Senhor, mas ajuda a minha incredulidade”.