Mistura de religião e ideologia política: distorções da fé e divisões religiosas
Para entendermos a contraditória participação de cristãos nas brigas políticas e em manifestações – não só pacíficas, mas até violentas – que culminaram nos acontecimentos do início de 2023, em Brasília, é importante acompanharmos o processo histórico da mistura de religião com ideologia política. No convívio social, partilhamos ideologias. Porém o poder transformador do Evangelho prescinde desta mistura, de disputas, ódios e divisões.
Em 2010, percebi o endividamento de trabalhadores de Itu pela aquisição de variados bens de consumo. Tudo mudou posteriormente com a crise e dificuldades em pagá-los. Muitos aderiram a igrejas evangélicas e passaram a ter nelas uma participação política. A onda evangélica expandia-se. Nas eleições de 2018, cresceu a adesão ao candidato apoiado pelos evangélicos. A influência deste presidente tornou-se predominante em Itu, acentuando o acirramento político, inclusive no meio católico anteriormente pacífico.
Nas eleições de 2022, alguns padres, em diferentes localidades do interior paulista, passaram a defender a reeleição do presidente em exercício, atacando seus opositores mesmo nas missas dominicais. Contrariando a orientação dos bispos católicos de não interferência na escolha eleitoral, ampliavam divisões. Este ambiente belicoso contaminava o momento de recolhimento e paz das celebrações litúrgicas.
A análise histórica mostrou-me que esta interferência da política na religião tomou novo impulso no início do século 21, acompanhando mobilizações de setores evangélicos mais recentes em torno de pautas sobre moral e costumes. Posteriormente, eles se integraram aos movimentos sociais do chamado “campo patriota”, usando diversos símbolos nacionais.
Estas novas denominações evangélicas foram se expandindo, ganhando força e se espalhando pelo interior do Brasil – chegando em cidades anteriormente de predominância católica, como Itu (SP). Tendências moralistas de condenação do próximo se acentuaram entre católicos que aderiram à mistura de ideologia política e religião. A enorme vaga tradicionalista propagou-se, tornando-se predominante nesta cidade.
Desde as manifestações de rua de 2013, o ódio vinha crescendo e se inflamava, envolvendo grupos religiosos que misturavam religião e política. Considero os evangélicos irmãos em Cristo e cultivo o diálogo ecumênico, porém oponho-me a qualquer disseminação de ódio, mentiras e divisões. Minha participação no processo democrático e eleitoral não inclui engajamento na disputa pelo poder entre partidos políticos. Opto e defendo tudo que permita o avanço humanitário e a transformação social. Acompanhando as mudanças em curso na sociedade brasileira, critico a falta de diálogo e consciência política, olhando com reserva a mistura explosiva de ideologia política e religião.
Esta mistura apoderou-se das mentes. distorceu a fé, dividindo os católicos. Apesar das advertências contra tais divisões e desvios, este processo continua vivo – nas redes sociais e corações. Em sua fundação, o cristianismo foi uma poderosa força de transformação que abalou os poderes constituídos e derrubou um poderoso império sem se associar a nenhum poder político. Consciente da necessidade de levar em consideração as transformações do mundo moderno, a direção da Igreja Católica convocou o Concílio Vaticano II (1960-1964), propondo uma análise atual com base no Evangelho. Unida ao esforço do Papa Francisco e nossos bispos, aprofundo minha meditação e caminhada espiritual pelos acontecimentos históricos.