Um retorno dos jovens à tradição

A proposta publicizada do Concílio Vaticano II, quando convocado no final dos anos de 1950, era promover um “aggiornamento” da Igreja, isto é, uma atualização ao mundo moderno, de forma a apresentar ao homem que se encontrava numa sociedade em vertiginosa transformação, respostas mais acessíveis aos desafios que vivia. Declarou-se ser um concílio pastoral, que em momento algum refutou ou alterou as definições do último – o Concílio de Trento, no século XVI –, este sim dogmático e, portanto, irrefutável em questões de doutrina.
Não obstante a maioria do episcopado de então – os Padres Conciliares – fosse conservadora, dirigiram-se a Roma meio que sem saber ao certo o motivo, ao que uma minoria falante (como sempre…), entre outros capitaneada pelo arcebispo progressista brasileiro Dom Hélder Câmara, passou a ditar os rumos do Concílio a ponto de os próprios papas João XXIII e Paulo VI se verem receosos diante de tantas discussões e decisões açodadas promovidas nas sessões conciliares.
Um dos frutos mais imediatos do Concílio foi a reforma do missal romano e a imposição de seu uso a toda a Igreja a partir de 1970. De repente, todo o arcabouço litúrgico e doutrinal que sustentou a Igreja durante séculos foi desprezado em favor de uma nova proposta que, segundo se dizia, seria mais adequada ao século XX. Simplificação de ritos, abolição de outros, permissão de uso do vernáculo nas celebrações, reforma do calendário litúrgico e dos sacramentários etc.
Porém, paradoxalmente, o que seria para atrair mais gente já que o que se tinha agora era algo muito mais “palpável” às pessoas, apresentou um efeito inverso. Toda aquela simplificação oficial, somada às adequações oportunistas mundo afora – abandono do hábito clerical e de paramentos, retirada de imagens das igrejas, uma desastrosa banalização da música sacra, o cancelamento de práticas devocionais, inclusive marianas, e de todo um aparato que servia de referência à fé – acabou por afastar muita gente das igrejas com a sensação de que toda a mística que se vivia até então não tinha valor algum. Isso sem falar na qualidade das pregações, que despencou e em muitos lugares enveredou para abordagens de cunho político, social e até revolucionário.
Houve uma debandada geral, inclusive no clero. Uma vez, numa conversa com Dona Francisca Gil, que por muitos anos foi secretária no Convento do Carmo de Itu e com quem tinha grande amizade, pegamos um papel e, por curiosidade, começamos a anotar o nome dos frades que tinham passado pela cidade e que haviam abandonado o ministério nos anos pós-concílio: chegamos a 50! Um número impressionante! Fora as irmandades e associações religiosas, que contavam com pujante presença e atuação da juventude, e que pouco a pouco foram enfraquecendo até desaparecerem, em alguns casos, ou se reduzirem a pequenos grupos de idosos.
Todavia, passados 60 anos do término do Vaticano II e 55 da chamada “Missa de Paulo VI”, o que se vem notando é um significativo retorno à tradição, à disciplina, à prática dos sacramentos inclusive da confissão freqüente, ao interesse pela missa e pelas celebrações anteriores à reforma litúrgica etc. Pelos idosos? Pelas pessoas de meia idade? Não! Justamente pela juventude que, por assim dizer, era o alvo de todas aquelas mudanças, mas que foi a primeira a se afastar da Igreja! Enquanto a maioria dos seminários, especialmente religiosos, mantém um pífio número de candidatos, os seminários tradicionais ou mais conservadores esbanjam vocações, não obstante o uso da batina que diziam ser um obstáculo à evangelização. Quando eu era criança, conhecia meia dúzia de octogenárias que usavam véu durante as missas; hoje não vejo mais idosas de véu, mas é cada vez mais comum presenciar jovens meninas usando-o, ajoelhando-se para comungar, assistindo à santa missa com piedade e devoção. Até mesmo a revista britânica de economia “The Economist”, em matéria publicada já há alguns anos, constata que “as comunidades tradicionalistas se destacam pela juventude e por sua expansão internacional. O Catolicismo tradicional está atraindo pessoas que não tinham nascido quando o Vaticano II pretendia ‘rejuvenescer’ a Igreja”.
Já segundo a “Gazeta do Povo”, jornal paranaense, “o último levantamento sobre o clero católico nos Estados Unidos traz novidades alentadoras para quem se preocupa com a influência do liberalismo na Igreja Católica: os padres mais jovens estão cada vez mais conservadores e alinhados à doutrina tradicional. Conforme o National Study of Catholic Priests, conduzido pela Universidade Católica da América, em Washington, D.C., o perfil teológico do clero americano mudou substantivamente. Mais de 70% dos sacerdotes ordenados após 2010 se classificam como ‘conservadores ou muito conservadores’ e apenas 8% desse grupo se consideram teologicamente progressistas”.
A pergunta que fica, por conseguinte, é: por que tanta repulsa da alta hierarquia da Igreja e do episcopado à tradição? Se o argumento de que a liturgia tradicional não é um meio seguro para a salvação das almas não se sustenta (até porque ela vigorou por séculos e a tantos santificou e edificou), por que a imposição intransigente aos fiéis – sobretudo aos jovens – de algo que não contribui para sua vivência de fé? Será pura queda de braço ideológica? Se for, não deveria, porque o que está em jogo é a salvação de almas.




