CF 2025: “Deus viu que tudo era muito bom!” (Gn 1,31) – Iluminar / Discernir

Ver a realidade e identificar nela a presença do pecado ecológico só é possível se a olharmos sob a luz da Palavra de Deus. Essa mesma luz, que ilumina a realidade, ilumina-nos interiormente para agir, mudando atos e atitudes pessoais, comunitários e sociais em vista de uma ecologia integral que garanta a continuidade da vida na Terra, nossa Casa Comum. O jornal “A Federação” está publicando, em quatro edições, o artigo do padre Jean Poul Hansen, secretário executivo de Campanhas na CNBB, um guia para compreender os principais aspectos da CF-2025.
3. Iluminar as trevas do pecado com a luz da Palavra de Deus
Grave risco corremos de nos propormos itinerários de conversão que nos façam voltar aos nossos interesses, aos nossos pontos de vista já consolidados, enfim, a nós mesmos. Por isso, a luz da Palavra de Deus, e sempre ela, é que define o caminho do discernimento entre a triste realidade do pecado e a ação concreta que nos conduz à vida nova.
A palavra escolhida para esta CF é do livro do Gênesis (1,1-2,4a), o primeiro relato da criação. Segundo ele, todas as criaturas gozam de uma dignidade inegável por causa de sua origem divina.
No entanto, “anualmente, desaparecem milhares de espécies vegetais e animais, que já não poderemos conhecer, que os nossos filhos não poderão ver, perdidas para sempre. A grande maioria delas extingue-se por razões que têm a ver com alguma atividade humana. Por nossa causa, milhares de espécies já não darão glória a Deus com a sua existência, nem poderão comunicar-nos a sua própria mensagem. Não temos direito de o fazer” (LS 33) (TB CF-2025, n. 64).
A missão do ser humano é “cultivar e guardar” (Gn 2,15) o jardim da criação e jamais exterminar sua existência, seja de forma total ou mesmo parcial. “Eis também a tarefa deixada ao ser humano: descobrir a beleza, a bondade, a singularidade, a diversidade e a agradabilidade de todos os seres. Sendo assim, qualquer tipo de destruição da obra criacional torna-se algo contrário à ótica bíblica da criação” (TB CF-2025, n. 68).
Também o Novo Testamento ilumina nossa relação com o meio ambiente ao nos revelar a plena harmonia entre Jesus e a criação.
Jesus, um camponês galileu, integrado com a criação, observa atentamente a sociedade e o ambiente ao seu redor. Paisagens (rios, mares, montanhas, desertos, campos), fenômenos climáticos (o sol ardente, o vento tempestuoso), plantas e animais contemplados com admiração tornam-se fonte importante para sua compreensão da realidade, sua atuação e seu ensino. A Boa-nova do Reino de Deus traz consigo várias conotações socioambientais (TB CF-2025, n. 79).
Essas conotações socioambientais aparecerão também nas alegorias típicas dos Padres da Igreja (séculos I-V). É certo, porém, que, à luz da Palavra de Deus, da qual eles foram incansáveis e zelosos comentadores, eles deixaram para nós afirmações que demonstram não somente um respeito profundo pela natureza, quanto uma consciência de interdependência entre os seres humanos e as demais criaturas de Deus (TB CF-2025, n. 94).
É, no entanto, na Doutrina Social da Igreja (DSI) que encontramos as luzes mais atuais do magistério no que tange à crise socioambiental que vivemos. Desde a Rerum Novarum (1891), de Leão XIII, até a Laudate Deum (2023), do papa Francisco, passando por Mater et Magistra (1961), Pacem in Terris (1963), Populorum Progressio (1967), Octogesima Adveniens (1971), Redemptor Hominis (1979), Laborem Exercens (1981), Sollicitudo Rei Socialis (1987), Centesimus Annus (1991), Caritas in Veritate (2009) e, sobretudo, Laudato Si’ (2015), todos os pontífices romanos manifestaram sua preocupação e não se negaram a ensinar ao povo cristão e a todas as pessoas de boa vontade que o cuidado da criação é tarefa irrenunciável do ser humano e que essa tarefa exige conversão constante de sua parte, seja nas suas concepções pessoais, seja nas suas mais variadas formas de organização social, política, econômica e eclesial.
O princípio da destinação universal dos bens da terra, o desenvolvimento dos povos, os perigos da exploração e da crescente ruptura entre sociedade e natureza, os princípios da ética ambiental, a urgência de educar para a responsabilidade ecológica, a interligação entre o zelo pelo ser humano e o zelo pela natureza, tudo isso é expressão de ampla tarefa eclesial que decorre da fé.
(continua na próxima edição)
(artigo publicado na revista Vida Pastoral, mar-abr/2025)
Veja também:
- CF 2025: “Deus viu que tudo era muito bom!” (Gn 1,31) – Introdução
- CF 2025: “Deus viu que tudo era muito bom!” (Gn 1,31) – Ver / ouvir
- CF 2025: “Deus viu que tudo era muito bom!” (Gn 1,31) – Iluminar / Discernir