CF 2024: “Fraternidade e amizade social” para curar uma sociedade adoecida (02)
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A Campanha da Fraternidade é o modo brasileiro de celebrar a Quaresma. Ela não esgota a Quaresma. Dá-lhe, porém, o tom, mostrando, a partir de uma situação bem específica, o que o pecado pode fazer quando não o enfrentamos. Por isso, a cada ano, recebemos um convite para viver a Quaresma à luz da Campanha da Fraternidade e viver a Campanha da Fraternidade em espírito de conversão pessoal, comunitária e social (Texto-base da CF-2023, Apresentação).

O jornal “A Federação” publica, desde a última edição, o artigo do padre Jean Poul Hansen, secretário executivo de Campanhas na CNBB. O texto procura explicar os principais aspectos presentes no Texto-base da CF-2024.

2. As causas e o diagnóstico

O que nos tem levado a esse tipo de comportamento [relatado na primeira parte do artigo] são a destruição da coletividade e a construção do indivíduo solitário e autossuficiente – ou, como diz o papa Francisco, autorreferencial –; a construção de um inimigo comum, como o único elemento aglutinador, na sociedade, capaz de retirar as pessoas do seu subjetivismo individualista; a mentalidade de que o conflito e a guerra são geradores de vida e desenvolvimento; a ideologia da invisibilização da inimizade social e a normalização da competição e da meritocracia, dando assim permissão para eliminar o outro.

O triste diagnóstico que fazemos é que nós, na nossa sociedade atual, sofremos de grave alterofobia, ou seja, medo, rejeição e aversão a tudo aquilo que é outro, tudo o que não sou eu mesmo.

A palavra é estranha, mas a situação que ela indica é real, presente e incisiva dia após dia, alimentando mentalidades e gerando atitudes. A outra pessoa, a outra causa, o outro sonho, o outro esforço, tudo, enfim, que não seja eu mesmo acaba por se tornar desnecessário, ameaçador, destinado à rejeição e até mesmo à eliminação e extinção.

Resumindo, sofremos de alterofobia, causada pelo hiperindividualismo. Esse é o diagnóstico. É isso que precisamos atacar.

Sofremos de um agudo processo de subjetivação, isto é, a única ótica que importa é a minha. Rejeitamos tudo que é diferente de nós mesmos porque deixamos crescer demasiadamente, num processo de inchaço, nosso próprio eu, desencadeando, assim, um processo de fechamento ao outro. Não há dúvidas de quanto é positiva a individualidade; isso não se põe em pauta. No entanto, aquilo que conquistamos como um grande valor passou a ser como um dos nossos maiores limites. Vivemos fisicamente próximos, mas absolutamente distantes, num império das individualidades, e aquilo que é comum parece ter caído em desuso.

A questão é tão grave, que o Papa Francisco já alertou: “Neste mundo que corre sem um rumo comum, respira-se uma atmosfera em que a distância entre a obsessão pelo próprio bem-estar e a felicidade da humanidade partilhada parece aumentar: até fazer pensar que entre o indivíduo e a comunidade humana já esteja em curso um cisma” (FT 31).

3. Há, porém, esperança!

Embora esteja indubitavelmente adoecida, nossa sociedade apresenta sinais de esperança. Nem tudo está perdido. Há pessoas e organizações verdadeiramente empenhadas na construção de um mundo fraterno e em iniciativas de amizade social que gerem vida, e vida em abundância:

  • Na nossa própria natureza, gerada no amor da Trindade, está inscrito o ímpeto de comunhão, de fraternidade, de diálogo e amizade social;
  • O grande desenvolvimento das tecnologias da comunicação nos possibilita enormes possibilidades de diálogo e conexão;
  • Nosso povo cultiva permanente disposição à solidariedade, especialmente nas grandes tragédias;
  • A sadia e complementar pluralidade existente entre todos os seres humanos, imagem e semelhança do Criador, é para a comunhão, e não para a divisão;
  • Os movimentos sociais e as organizações comunitárias, com suas lutas pelo bem comum, são uma proclamação de esperança;
  • Também o é a vida cotidiana das nossas comunidades eclesiais verdadeiramente comprometidas com o Evangelho da libertação integral do ser humano;
  • Por fim, mas sem esgotar, o Pacto Educativo Global, a Economia de Francisco e Clara e o Sínodo sobre a sinodalidade e seu amplo processo de escuta das bases são sinais eloquentes de esperança.

(continua na próxima edição)

(artigo publicado na revista Vida Pastoral, jan-fev/2024)