A vida nas paróquias brasileiras antes do Apostolado da Oração
A vida das paróquias, no final do século XIX, no Brasil nada tinha de monótona. Pelo contrário, era bem animada. Porém, o povo se reunia muito mais naquelas festividades especiais, dias santos ou festas de Maria próprios das devoções e das Irmandades. Os domingos eram dias de celebração, o povo comparecia, havia música bonita e sermões entusiasmados, mas a comunhão sacramental, ponto principal da liturgia, era restrita ao clero. A religião daquele tempo era de muita devoção, mas pouca vivência de fé centrada em Cristo e na Eucaristia.
A Igreja Católica ainda carregava um vínculo estabelecido com o rei de Portugal, desde o século XVI, chamado Padroado. Através dele, os padres eram funcionários do Estado, recebiam salário e prestavam serviços também administrativos à nação, por exemplo, o registro de pessoas, a educação, a organização do calendário cultural. De certa forma isto era positivo, porque se reconhecia o valor do clero, mas o governo interferia muito na Igreja, vinculando sua atividade aos interesses políticos. Os padres não tinham liberdade para agir conforme solicitava a Santa Sé de Roma, fortalecendo a vida espiritual e sacramental e afastando as comunidades do sincretismo religioso tão comum ao Brasil daquele tempo.
Outro fator que limitava o protagonismo do clero eram as antigas Irmandades, Confrarias e Ordens Terceiras. Grupos atuantes, muito devotos, porém não permitiam que o pároco controlasse completamente a religiosidade, porque as mesas diretoras é que estabeleciam a agenda de celebrações. Os padres eram contratados para pregar sermões eloquentes e confessar os membros da associação para a comunhão anual na Páscoa. Sem autonomia, o padre se tornava um assistente, sem conseguir definir metas de evangelização. Administrava a paróquia, celebrava batizados, casamentos e funerais, mas não conseguia aprofundar a espiritualidade.
Talvez empecilho importante ao crescimento da espiritualidade cristã centrada na Eucaristia fossem algumas teorias filosóficas como o Jansenismo, que teve influência no Brasil do século XVIII. Parece que até mesmo alguns membros do clero paulista seguiam as idéias de Jansenius, acreditando que os cristãos são indignos de comungar porque, como pecadores, devem estar absolutamente puros para participar da mesa eucarística. Até mesmo as faltas menores deveriam ser levadas ao confessionário rogando pelo perdão sacramental. Esses belos retábulos das igrejas barrocas, construídossobre os altares, têm o trono do Santíssimo na parte mais alta, quase à altura do forro, onde se expunha o ostensório para adoração, bem distante de todo a gente.
Difícil reverter essa situação institucionalizada e apoiada pelo Estado. Seria necessária uma estratégia muito eficiente, que trouxesse algo novo para fazer ver, aos fiéis, que Jesus é um amigo, como afirmava o padre Taddei, a quem se deve abrir o coração e a vida da maneira mais sincera. Ele mesmo, missionário popular em 1865, assustou-se diante da realidade religiosa de Itu e cidades circunvizinhas, dada a minúscula proximidade do povo com a Eucaristia.
O Apostolado da Oração mudou completamente essa realidade como veremos no próximo artigo.
Luís Roberto de Francisco
Biblioteca Histórica “Padre Luiz D’Elboux”