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Dom Leomar Antônio Brustolin
Arcebispo de Santa Maria (RS)

Escreveu o papa São João Paulo II na Fides et Ratio: “A fé e a razão constituem como que as duas asas pelas quais o espírito humano se eleva para a contemplação da verdade”[1].

Não é possível pensar que a ciência seja a única forma de acesso ao conhecimento. Passou o tempo do cientificismo que sustentava que a ciência seria capaz de explicar tudo e, portanto, eliminar a religião. O universo é por demais vasto e complexo para esgotar a pesquisa científica. Avança o conhecimento, mas não diminui a complexidade do que ignoramos. Entre as luzes que descobrimos, percebemos muitas sombras que nos cercam. Basta explorar a astronomia para descobrir a imensa possibilidade da existência de galáxias por nós desconhecidas.

A realidade possui dimensões que extrapolam o limite das ciências, como no caso da dimensão religiosa. Para compreendermos o fenômeno religioso não podemos prescindir das ciências, entretanto, a religião tem aspectos específicos que devem ser aprofundados através de caminhos próprios. Façamos uma analogia com a música. Ela pode ser estudada através de vários quesitos: influência cultural, ideologia, efeito psicológico sobre os ouvintes, mensagens. A música, entretanto, pode ser analisada através de seus elementos específicos: a harmonia, o ritmo e a melodia. A religião também pode ser vista sob vários ângulos: o sociológico, o antropológico, o psicológico, o histórico, o filosófico. Mas há elementos que somente a própria religião pode fornecer para sua compreensão: a referência à transcendência, a experiência do Sagrado, a releitura dos fatos e a reunião de pessoas em busca do Invisível.

Trata-se de um modo de explicar o mundo e de habitá-lo. Enquanto linguagem, a religião é totalmente diferente da linguagem científica, apesar de ambas pretenderem dissertar sobre as diferentes dimensões do universo humano.
Vale aqui dar voz ao grande teólogo e paleontólogo francês, o jesuíta Teilhard de Chardin: “Portanto, a ciência, por suas análises, não nos deve perturbar quanto à fé. Ao contrário, deve nos ajudar a melhor conhecer, compreender e apreciar Deus. Eu, de minha parte, estou convencido de que não há alimento natural mais vigoroso para a vida religiosa do que as realidades científicas bem compreendidas”[2].

Diante dos questionamentos da razão, a fé modificou sua própria maneira de se entender. Tanto a fé como a razão avaliam o divórcio entre ambas, e começa-se a pensar numa reconciliação. Apesar dos riscos dessa união e da falta de unanimidade entre os pensadores, é urgente uma postura favorável ao diálogo entre essas duas realidades.

O Pe. Teilhard de Chardin adverte: “A fé, afastando-se da razão, corre o risco de perder-se no emocional, e a razão, fechando-se à fé, pode enveredar por caminhos perigosos do relativismo e do niilismo. Ambas ganharão muito se voltarem a discutir tanto em termos culturais como no interior de cada pessoa” [3].

Se pretendermos que a educação seja humanista, e que vise o desenvolvimento integral da pessoa, não é possível prescindir dessa importante relação entre fé e razão, ciência e religião. Quem a ignora impede ao educando o acesso a um dos mais preciosos bens da história da humanidade: o saber.

[1] JOÃO PAULO II, Carta Apostólica Fides et Ratio, sobre as relações entre fé e razão, 1.
[2] TEILHARD DE CHARDIN, Être plus, Seuil, 1968.
[3] Ibidem, 77.