Mudanças no cenário mundial: o mundo em convulsão e a caminho

Viver no mundo como ‘estrangeiros e migrantes’ (Primeira carta de S. Pedro 2,11)
O crescimento da onda nacionalista e anti-imigratória das recentes eleições francesas assinala importantes mudanças no panorama mundial. Os resultados deste pleito contrastam com o período anterior de grande vitalidade democrática e cultural francesa, mas confirmam minhas observações sobre tais tendências já latentes anteriormente. A emergência desta onda se insere num processo mundial mais amplo de “desgloblalização” e reação contra algumas transformações provocadas pela globalização.
Esta sacudiu os alicerces da vida francesa, alimentando manifestações nacionalistas e autoritárias. Após rápida expansão (1990 a 2000), a globalização enfraqueceu depois da crise de 2008/09. As forças político-econômicas em luta pela hegemonia no cenário internacional se reorganizaram, e despontaram tendências de tipo neonazista não só na França e Europa como também nos Estados Unidos e Brasil.
Acompanhei a situação anterior à globalização, sua implantação e transformações. Quando cheguei à Paris, nos anos sessenta, o centro da cidade era cosmopolita, porém preservava suas antigas características tradicionalmente francesas. Participando das atividades e lutas do meio universitário – onde estudei e trabalhei, vivi sua abertura democrática e esclarecimento intelectual e político. Este meio ‘aberto’ e ‘progressista’ não correspondia, entretanto, à ‘França profunda’ nem ao seu passado colonialista.
Percebi existir um sentimento de superioridade francesa na relação com os estrangeiros e particularmente um repúdio aos árabes e africanos. Constatei haver uma forte pressão para os estrangeiros se moldarem ao modelo da ‘República’, que se manifestava, por exemplo, na proibição do uso de véu e do modo de vestir das mulheres mulçumanas. Minha tomada de consciência se acentuou quando fui trabalhar como psicóloga de um grupo de educadores, na periferia de Paris, ao verificar como eram tratados os imigrantes que ali viviam.
Foi aí que – sem estar ainda ligada ao cristianismo – comecei a me assumir como estrangeira e migrante neste mundo. A atual crise mundial e o crescimento dos movimentos migratórios trouxeram à tona discursos de ódio na voz de candidatos que atribuem aos imigrantes africanos e mulçumanos os problemas de insegurança, desemprego e destruição do modo de vida francês – gerados, na realidade, no processo de globalização. Estes discursos exprimem uma forma de ‘nacionalismo’ avesso aos estrangeiros, que pretende defender a ‘nação’ e o ‘povo’ francês’, contra o ‘globalismo’, a Otan e a aliança militar do Ocidente.
Permanece, entretanto, atuante uma longa tradição de luta pelos direitos sociais, igualdade, liberdade e fraternidade – reforçada atualmente pela politização dos mais jovens. Esta vertente combate o desemprego e crescente diminuição do poder de compra francês, mas condena as condições de acolhimento e violência policial contra os imigrantes.
O acirramento da divisão política ocorre também no plano internacional, expressando-se na formação de blocos de países, medo do terrorismo, erupção de guerras, preocupação com o neototalitarismo e frustrantes tentativas de usar a diplomacia para preservar a estabilidade da Europa. Com o aprofundamento da crise social, proliferam diversos grupos neonazistas que se levantam contra a democracia e os valores humanitários. A defesa destes me parece fundamental para a renovação da humanidade, em direção a qual caminho como migrante e estrangeira na presente configuração do mundo.