Eclipse do humanismo e sua renovação
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por Olga Sodré

Valor da condição corporal humana

Ao apagar das luzes de 2021, perdi um grande amigo, Sérgio Caldieri. Ele foi um jornalista combativo e um dos alicerces na preservação da obra de Nelson Werneck Sodré. Num momento em que as trevas da barbárie se propagam pelo planeta e afligem nosso país, sua partida simboliza o eclipse de uma geração humanista com coração vibrando nos acordes brasileiros.
Apesar da oposição de muitos intelectuais humanistas ao pensamento religioso e sua tentativa de colocar o homem no lugar de Deus como centro de tudo, o movimento humanista trouxe uma relevante contribuição, inclusive espiritual. O humanismo valorizou o ser humano e nossa condição existencial, enfatizando a importância das emoções e qualidades tais como: generosidade, compaixão, verdade, beleza, perfeição e capacidade de realizações. Assim, propulsionou novas formas de reflexão, interpretação racional, explicação dos fenômenos, debates de opiniões divergentes, desenvolvimento de diversas técnicas e criações na cultura, artes, ciências, política e justiça social ao longo da ‘Idade Moderna’.
Essas transformações não implicaram forçosamente o abandono da religião, mas incentivaram a liberdade, vontade, inteligência e possibilidade do ser humano mudar seu destino e tornar-se protagonista da História. Desde o início desse movimento, autores católicos se preocuparam em adaptar a nova visão de mundo aos ensinamentos de Cristo, dando origem ao ‘Humanismo cristão’ e a várias obras de espiritualidade. Thomas More (1478 – 1535), por exemplo, foi um filósofo humanista católico do Renascimento, escritor e homem de estado. Ele ocupou vários cargos públicos, em particular o de “Lorde Chanceler” da Inglaterra, tendo sido santificado como mártir católico em 1935.
Desse modo, na segunda metade do século XX, o humanismo se espalhou, impregnou intelectuais de diversas tendências e influenciou a formação de vários combatentes e idealistas em luta para transformar o mundo. Nelson Werneck Sodré e outros intelectuais e representantes de sua geração – com os quais convivi – foram eminentes humanistas. Notei neles uma grandeza de coração, uma alegria e uma ligação com nosso povo, que imprimiu neles a fisionomia humanista brasileira. Ela transparecia na generosidade, dedicação, lutas e gestos de Sérgio Caldieri. Ele não apenas me enviava e-mails com textos do jornalismo alternativo, colocava no Facebook e no Instagram fotos suas com ilustres brasileiros, como também me enviava mensagens de amizade e músicas de grande vibração afetuosa. Sérgio encarna para mim o humanismo brasileiro que subsiste submerso pelas atuais ondas de brigas, autoafirmações e lutas pelo poder.
Cultivo uma espiritualidade que não se reduz a uma contemplação meramente etérea. Focalizo o processo pelo qual nossa condição humana e nossas vidas foram divinizadas pelo nascimento de Cristo num corpo humano. As raízes do humanismo se encontram na encarnação, paixão e ressureição de Jesus, o Deus conosco. Ele nos introduz na condição divina de uma nova humanidade recriada com corpos gloriosos. A série de televisão dirigida por Dallas Jenkins, “OS ESCOLHIDOS” (“THE CHOSEN” – 2018), nos apresenta a humanidade divina de um Cristo alegre, misericordioso e amoroso em sua relação com aqueles que foram por ele escolhidos, mesmo tendo suas limitações, incompreensões e dificuldades humanas.