As devoções espanholas a Maria em Itu e Salto

por Luís Roberto de Francisco
Anualmente reencontramos as raízes da fé ituana na festa da nossa padroeira, Nossa Senhora Candelária. Celebrada a 02 de fevereiro, dia litúrgico da Apresentação do Senhor no templo é também a comemoração da Purificação de Maria, ou seja, quarenta dias após o nascimento de uma criança, na tradição judaica, as mães passavam por um ritual no templo, junto de seu filho. No relato bíblico (Lucas 2, 32) o velho Simeão, ao encontrar Maria com Jesus nos braços, disse que aquele Menino era a luz que veio iluminar os povos daí a presença da vela nas mãos de Maria, quando representada sob o título das candeias. Essa é a representação da Senhora Candelária, carregando o Menino no outro braço.
Chamada Nossa Senhora da Purificação, em antigas cidades brasileiras, em Itu seu título veio da padroeira (espanhola) das Ilhas Canárias. Em 1594 o frade dominicano Alonso de Espinosa registrou a história milagrosa da escultura da Virgem encontrada em 1392 na região atlântica de Chimisay por dois pastores dos povos nativos da região (guanches). Eles tentaram apedrejar e esfaquear a estátua de Maria carregando Jesus Menino em um braço e uma vela verde na outra mão. Sem sucesso e com respeito à imagem, pela sua resistência, levaram-na para a Cueva de Chinguaro, para ser conhecida pelo seu rei.

Com a chegada dos espanhóis colonizadores à região, a imagem foi conduzida a Cueva de Achbinico, hoje Candelária (Tenerife), onde o bispo Bartolomé Jiménez dirigiu a construção do santuário a Ela dedicado. Curioso é que, quando a igreja ficou pronta, em 1672, já em Itu havia uma capela em seu culto desde 1610.
A devoção a Nossa Senhora Candelária foi trazida à América pelo colonizador do México, Hernán Cortés, no século XVI. A sua presença na parte portuguesa do Novo Mundo se explica por dois motivos, a União Ibérica (1580 e 1640), quando Portugal e suas colônias foram governados pela Espanha dos reis Felipe, daí a presença constante de espanhóis na região ou, mais ainda, pela presença, em São Paulo, do padre José de Anchieta (1534 – 1597), natural daquela região das Canárias e grande devoto da Virgem Candelária. Os descendentes do cacique Tibiriçá, fundador de São Paulo (1554) com Anchieta e padre Manoel da Nóbrega, mantiveram o culto trazido a Itu por seu fundador, o paulistano Domingos Fernandes, bisneto do cacique, originando-se assim a povoação de Nossa Senhora Candelária de Outu-Guaçu. Fernandes era filho de Suzana Dias e Manoel Fernandes Ramos, neto materno de Lopo Dias casado com Beatriz, filha do cacique Tibiriçá e Potyra.

Igual origem espanhola tem a padroeira de Salto, Nossa Senhora do Montserrat, cuja imagem da Virgem negra é também padroeira da Catalunha. O seu lugar de culto inicial é a atual Abadia de Nossa Senhora de Monteserrat, construída em torno das grutas onde – reza a tradição – a imagem teria sido trazida pelo apóstolo Pedro.
A devoção a la Virgen de Montserrat já era conhecida em Santos, litoral paulista, em 1614. Atribui-se a ela a proteção da cidade aos holandeses que tentaram invadi-la. Possivelmente veio com os ibéricos que se instalaram na região.
Celebrada em 8 de setembro, festa da Natividade de Maria, este outro culto espanhol chegou ao atual município de Salto em 1690 trazido pelo seu fundador, Antonio Vieira Tavares, natural de Cotia, onde Maria Santíssima já era invocada pelo título de Montserrat.
O principal cronista da memória saltense, Ettore Liberalesso, considerava que a imagem da padroeira, venerada na antiga capela construída por Vieira Tavares, fora trazida à povoação por espanhóis que vieram conhecer a cachoeira no rio Tietê. Inaugurada a 16 de junho de 1698 a capela se transformaria na igreja matriz da “Vila do Salto”.
As devoções espanholas a Maria, em nossa região, títulos diferentes à maioria dos locais antigos do Brasil, revelam uma devoção especial à mãe de Jesus que se estendeu às demais cidades nascidas de Itu, como Porto Feliz – Nossa Senhora Mãe dos Homens, Cabreúva – Nossa Senhora da Piedade – e Indaiatuba – Nossa Senhora Candelária.
Todas, porém, representam a mesma Mãe velando pela nossa velha gente paulista.