A dignidade infinita da pessoa humana
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Dom Leomar Brustolin
Arcebispo de Santa Maria (RS)

 

No dia 25 de março passado, o Dicastério para a Doutrina da Fé da Santa Sé publicou a Declaração Dignitas infinita, com aprovação do Papa Francisco. O texto traz diversos aspectos do nosso tempo que incidem diretamente em nossa sociedade, e que nos fazem refletir sobre o conceito que temos de pessoa humana e sua dignidade. Situações novas e questões inéditas merecem atenção e consideração, mas não é possível perder os fundamentos do ser e do agir humano por causa de desafios novos. Precisamos revisitar essas bases que sustentam nossa existência para não perdermos a nossa identidade, que não está à mercê de cada mudança de época.

              Sobre a dignidade humana, a Declaração inicia afirmando que se trata de uma dignidade infinita, fundada no próprio ser de cada pessoa, independente do estado ou circunstância na qual se encontre. Para a Igreja, trata-se de um princípio fundamental de quem crê em Jesus Cristo, sobretudo quando há desatenção aos sujeitos mais simples e indefesos.

A Bíblia ensina que todos os seres humanos possuem dignidade intrínseca, porque são criados à imagem e semelhança de Deus: «Deus disse: “façamos o homem à nossa imagem, segundo a nossa semelhança” […]. E Deus criou o ser humano à sua imagem, à imagem de Deus o criou, homem e mulher os criou» (Gn 1, 26-27). Com essa perspectiva, a antropologia cristã antiga e medieval se desenvolveu e colocou em relevo a doutrina do ser humano criado à imagem e semelhança de Deus e o seu papel singular na criação. Nesse sentido, recupera-se o que escreveu Santo Tomás de Aquino: “pessoa significa o que de mais nobre existe em todo o universo, isto é, o subsistente de natureza racional”.

Na era moderna também se desenvolveram ideias nesse sentido. E hoje, o termo “dignidade” é utilizado prevalentemente para sublinhar o caráter único da pessoa humana, incomensurável em relação aos outros seres do universo. O texto destaca que o termo “dignidade” na Declaração das Nações Unidas de 1948, se trata «da dignidade inerente a todos os membros da família humana e dos seus direitos, iguais e inalienáveis».

Mas não faltam questionamentos em nosso tempo. Há quem procure outras leituras sobre essa dignidade. Há quem proponha que seria melhor usar a expressão “dignidade pessoal” (e direitos “da pessoa”) ao invés de “dignidade humana” (e direitos do ser humano), porque entendem como pessoa somente “um ser que é capaz de raciocinar”.

A partir daqui a Declaração Dignitas Infinita alerta que tal visão se expande sustentando que a dignidade e os direitos se deduzem da capacidade de conhecimento e de liberdade, que nem todos os seres humanos possuem. Consequentemente, não teria dignidade pessoal a criança ainda não-nascida, nem o idoso não autossuficiente, nem o portador de deficiência mental.

E a Declaração insiste no fato que a dignidade de cada pessoa humana permanece “para além de toda circunstância”, e o seu reconhecimento não pode absolutamente depender do juízo sobre a capacidade da pessoa de entender e de agir livremente.  Se assim fosse, a dignidade não seria, como tal, inerente à pessoa, independente dos seus condicionamentos e merecedora de um respeito incondicionado. Somente reconhecendo ao ser humano uma dignidade intrínseca, que não se perde jamais, é possível garantir a tal qualidade um inviolável e seguro fundamento.

Garantir a dignidade de cada e de toda pessoa humana ainda é uma tarefa que a todos nós compromete e afeta.