Por que são cobertas as  imagens no tempo da Paixão?
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por Altair José Estrada Junior

Nos últimos anos, pouco a pouco vem sendo recuperado pelas igrejas o costume de cobrir as imagens com pano roxo nas duas semanas que antecedem a Páscoa. A prática, com a última reforma litúrgica, deixou de ser obrigatória e tornou-se facultativa, razão de ter caído em desuso em muitos lugares.
Vencidos o primeiro e o segundo degraus de preparação para a Páscoa – os tempos da Septuagésima e da Quaresma –, chega-se à terceira e última etapa penitencial: o Tempo da Paixão, que começa no “Primeiro Domingo da Paixão” (no calendário novo, 5.º domingo da Quaresma). Nele cobrem-se as imagens e crucifixos das igrejas, omite-se o “Glória ao Pai” na missa e no ofício divino e o salmo Judica nas orações ao pé do altar. E a liturgia mergulha na meditação próxima dos sofrimentos de Cristo.
A norma litúrgica dispõe que as imagens devem ser cobertas depois das segundas vésperas do sábado, até o canto do glória do sábado santo. O Diretório da Liturgia, no sábado que antecede o 5.º domingo da Quarema, traz a nota: “Pode-se conservar o costume de cobrir as cruzes e imagens da igreja. As cruzes permanecerão veladas até o fim da celebração da Paixão do Senhor, na Sexta-feira Santa. As imagens, até o início da Vigília Pascal (cf. Missal romano: sábado da 4ª semana da Quaresma)”.
O jesuíta Pe. João Batista Reus, professor de liturgia do Seminário Central de São Leopoldo, no Rio Grande do Sul, em seu festejado “Curso de Liturgia”, explica o costume de cobrir imagens no Tempo da Paixão da seguinte maneira: “A cerimônia de velar as imagens do altar deriva do costume, antigamente, observado no começo da quaresma, de cobrir ou tirar da igreja tudo o que servia de ornato (Beletho c. 85). Segundo o piedoso pensar da Idade Média e da Liturgia, a igreja material deve tomar parte na penitência da Igreja, Esposa de Cristo. Ornato do altar são ‘as cruzes, relicários, evangeliários’ (Beletho c. 85). Por conseguinte, a cruz era considerada objeto de ornato e como tal coberta. ‘Só coberta se deve levar pela igreja’ (1. c.). Do véu da cruz e das outras alfaias passou-se, por ser mais cômodo e mais expressivo, ao véu do altar inteiro, e depois de todo o coro, a parte mais enfeitada do santuário. Neste caso, tomou o nome de véu quaresmal (velum quadragesimale) e recordava aos fiéis a obrigação de jejuar (pano de fome) (d. 3448 ad 16). Impedia aos fiéis a vista do ‘Santo dos Santos’, equiparando-se de algum modo aos penitentes públicos, os quais na quarta-feira de cinzas deviam sair da igreja. O costume, de algumas igrejas, de cobrir as cruzes e as alfaias no domingo da paixão, por causa das palavras do evangelho: ‘Jesus escondeu-se’, tornou-se geral” (n. 308).
Então, cobrem-se as imagens nesse dia por causa do evangelho de São João, capítulo 8, versículos 46 a 56, que termina com as palavras “Apanharam eles então pedras para Lhe atirar; mas Jesus escondeu-se e abandonou o templo”.
Explicando o cobrimento também da cruz nesse tempo, Pe. Reus escreve: “A cerimônia parece ser de origem galicana. Era conhecida na Gália já no séc. VII, na Itália por volta de 1000. Toda a sua significação profunda mística só a recebeu no séc. XI pelo lugar predominante no próprio altar, ao passo que antes tinha sido colocada diante ou atrás do altar ou em outro lugar. A cruz velada no altar representa o grande mistério de que Nosso Senhor, escondendo-se dos seus inimigos, escondeu a sua divindade por nosso amor. Com este heroísmo inflama o coração nobre a amar o Redentor tão amoroso, que foi capaz de tamanha humilhação para alcançar aos filhos adotivos de Deus a glorificação no céu.”
A prática de cobrirem-se as imagens da igreja no tempo da paixão, não bastasse toda essa significação predominantemente mística que lhe é atribuída, centraliza a liturgia e o espírito da Igreja na paixão e morte de Nosso Senhor. Indica que a Igreja está triste pela iminente celebração do drama divino do Calvário, ocultando de roxo as figuras daqueles que constituem o seu maior ornato, os santos, frutos da paixão e morte do Salvador.
Não há cristão que entre numa igreja nesses dias e se depare com as imagens veladas, que não sinta algo diferente no coração e na alma, que de certa forma o una, estreite, aos sofrimentos de Cristo, fazendo-o por vezes refletir.
Esses símbolos, esses sinais, esses ritos, desde é claro que não tragam elementos estranhos à fé, sincretismo etc., devem ser mantidos para ajudar o homem matéria a elevar o espírito. São certamente de grande valia para a edificação dos fiéis, preparando-os para a maior de todas as celebrações que é a ressurreição de Cristo.