A evocação de um passado
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Amável ouvinte! Ao iniciarmos, neste momento, pelas ondas da Rádio Cacique, o programa “Centenário do Patrocínio”, queremos sejam as nossas primeiras palavras o agradecimento sincero ao esforçado gerente deste simpática emissora, Sr. Aldomir de Souza Lima, por ter, espontaneamente oferecido 15 minutos semanais para a irradiação de assuntos relacionados com os festejos do primeiro século do Patrocínio. Antigo aluno do Externato São José, quis ele dessa maneira tão expressiva, colaborar para o brilhantismo das solenidades. Oxalá o seu exemplo sirva de estímulo a outros, para que possamos, no próximo ano, entre galas e pompas, comemorar dignamente a chegada à nossa terra, das beneméritas Irmãs de São José.
Em outubro de 1958, comemoraremos o centenário do primeiro colégio para educação da mocidade feminina. Por ventura nossa, coube a Itu receber as primícias do apostolado josefino, no campo educativo. Olhos voltados para o passado, desfilam diante de nós as predições e visões de almas eleitas, “antevendo as Virgens de negros véus formando âmbulas palpitantes, educando as futuras mães de futuros levitas, futuros heróis, dos futuros dirigentes do país”.
E, nessa evocação, surge, num raio de luz, a figura cândida de uma jovem de vinte e quatro anos, estátua viva da abnegação e do sacrifício, hóstia imolada pelo sucesso da empresa… Eis-nos em presença de Madre Teodora, fundadora da Província brasileira das Irmãs de São José, a quem, neste instante, rendendo o preito comovido de uma saudade sempre renovada, dedicamos o primeiro programa desta série.
E para traçar-lhe o perfil, deixemos de lado a nossa incapacidade e recorramos à pena brilhante de S. Excia. Dom Antonio Alves de Siqueira, nas palavras com que prefaciou o livro da insigne escritora Olívia Sebastiana da Silva, feliz biógrafa da “alma de fé”, que tivemos a ventura de ter sob céus ituanos durante mais de sessenta anos.
Aí vão as palavras expressivas de D. Antonio:
No pátio do Colégio do Patrocínio, em Itu, há uma frondosa árvore tranquila. Semente confiada a terreno ubertoso, ela cresceu com as bênçãos do céu e as esperanças da terra. Subiu plena de generosa seiva, espalmou a fronde rica de braços inúmeros, sombreando cariciosamente aquele chão paulista e acolhendo maternal as avezinhas no céu do Brasil.Nobre no porte, perene em sua força.
Quando a vi pela primeira vez, ocorre-me que Nosso Senhor ali simbolizara o trabalho imenso, a multiplicidade operosa, a benfazeja virtude de Madre Teodora.
Nela representara a vida de sua Serva Fiel:
Desde os inícios gentis – como uma semente pequenina que vai filhando promissora as radículas no solo bom. Maria, Jardineira Celeste, a curara ainda menina, como a Teresinha de Lisieux, e a enriquecera de caridade para com os pobres e de vitórias sobre os exíguos defeitos infantis…
Como a árvore, através das intempéries, ela levantou do chão para o alto uma ascensão que lhe custou lutas penosas: na sua vocação, na partida para o Brasil, na momentânea incompreensão do Bispo de São Paulo e de suas Superioras, nas perseguições ásperas que cimentaram os muros do Patrocínio, nas desolações interiores que emolduraram as suas virtudes corajosas… Chamaram-na “um crucifixo!”
Mas, à semelhança da mangueira simbólica, ela estendeu segura a rijeza de obras santas, numa progênie espiritual de continuidade perene.
Foram as crianças, os órfãos, os escravos, os enfermos, os leprosos, – o lote de seu zelo.
Foi sobretudo a juventude feminina do Brasil que, em gerações sucessivas sempre mais numerosas, lhe passava nas mãos beneméritas de educadora perfeita, e lhe ficava no coração solícito de mãe incomparável.
Ela aprendera de Maria a moldar os corações. Vestia de azul e branco as suas filhas. Era para Nossa Senhora que, noivas, elas vinham trazer os ramalhetes de suas esperanças…
Como a Mãe de Deus, essa Mãe de tantas brasileiras as acompanhava toda a vida, com a solícita eficácia das palavras de seus conselhos.
Após um largo meio século de existência brasileira, cheia de trabalhos e de coroas, de Tabores e de Calvários, ela ouviu bater à sua porta o mensageiro do céu.
E acolheu meiga e desejosa, a visita da morte, ela que às vezes fora severa para com a vida.Subiu para o Alto.
Mas, junto ao trono de Deus, Madre Teodora continua entre nós. No seu espírito, na perenidade de sua obra, no carinho de suas bênçãos, ora mais ricas.
Não a veneraremos um dia, no esplendor dos nossos altares?
Esta é a grande pergunta que um dia Deus se dignará responder favoravelmente. Que gáudio para todos nós, ex-alunos de seus colégios, fruto da dedicação imensa que soube imprimir nos corações de suas continuadoras!
02 de março de 1957

Maria Cecília Bispo Brunetti

  Acervo – Museu da Música – Itu