Bob, Billy and the Queen
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por Prof. Luís Roberto de Francisco

Os impressionantes funerais de Elizabeth II nos fizeram perceber a sua representatividade na política mundial, muito além do Reino Unido. Acredita-se que milhões de pessoas pelo planeta acompanharam as cerimônias mesmo sem ter qualquer relação com a rainha como chefe de estado.
O monarca, enquanto símbolo de um país, é esquisito à cultura republicana, vigente na maioria dos países, afinal o chefe de estado é substituído a cada quatro (ou oito) anos e não cria vínculos perenes com a sociedade. As poucas monarquias atuais mantêm educação voltada ao apreço pelo rei, o que se reflete em parcela da sociedade; as exéquias exibidas ultimamente em Londres tiveram momentos de notável comoção popular.
Na infância e primeira juventude convivi com dois irmãos ingleses. Mesmo sendo padres católicos e missionários jesuítas vivendo no outro lado do oceano, não perderam a sua ligação com a sua monarca. Declaravam-se “fiéis súditos de sua majestade.”
Bob e Billy, como eles se tratavam, foram, respectivamente, os padres Robert William Godding (1905 – 1978) e William Thomas Joseph Godding (1909 – 1983), nascidos em Londres (Fulham), filhos de Robert e Agnes Godding. Frequentaram colégio católico, mesmo o pai sendo anglicano, e conheceram o padre Edmund Lester SJ, que lhes falou das missões com indígenas na América. Ficaram fascinados.
Robert chegou a São Paulo em 1919, com catorze anos. Em 1923 foi a vez de William. Fizeram estudos em Nova Friburgo (RJ) e na Argentina, onde foram ordenados. William foi professor e administrador de colégios. Veio a Itu em 1966 para viver com o irmão. Robert foi professor de música; estivera nas missões com indígenas onde adquiriu malária; mudou-se para Itu em 1959. Ambos eram muito atenciosos sobretudo com crianças. Robert tinha voz bonita, quase sem sotaque; muito desorganizado: morava em três quartos ao mesmo tempo. As paredes eram decoradas com arcos e flechas trazidos das tribos em que viveu em meio a imagens religiosas. Mas sobre a sua escrivaninha, no lugar principal, um retrato oficial de Elizabeth II, de corpo inteiro.
William era premiado fotógrafo (registrou o meu batizado). Falava português enrolado, invertendo artigos e pronomes; homem boníssimo.
Em 1981 apareceu por aqui um sobrinho deles. Nesse tempo, Robert já havia falecido. Michael também era padre e vivia em Londres; por ser pároco, tivera o privilégio de assistir ao casamento do príncipe Charles e Diana Spencer na catedral de Saint Paul. Trouxe o convite e o programa impressos em papel de alta qualidade, que todos nós vimos. Tempo depois nasceu o herdeiro do trono, príncipe William. Alguém dentre os coroinhas comentou com o padre William: “nasceu o príncipe Billy!” Ele, até então risonho e satisfeito, ficou sério e respondeu: “eu posso ser Billy, mas ele não porque será rei da Inglaterra, merece respeito!”
Confesso que nunca me esqueci da veneração dos Godding pela sua monarca. O missionário não tem pátria, está a serviço da Igreja, mas uma semente britânica ficou gravada para sempre naqueles irmãos de quem tenho infinita saudade.